Márcia Lage
50emais
Passei boa parte do mês de maio ligada na tomada de 220 volts do meu sobrinho Caio. O menino ainda nem aprendeu a ler, mas tem uma curiosidade sem limites, atenção plena nas descobertas que faz e uma alegria de vida que espanta qualquer vestígio de desânimo à sua volta.
Fui visitá-lo em Campinas(SP), onde nasceu e vive, aprendendo palavras com R que pronuncia com o carregado sotaque local. Viajamos a Nova Odessa, ali pertinho, para conhecer o.Jardim Botânico Plantarum, do biólogo brasileiro Harri Lorenzi.
O menino se encantou com tudo, perguntou incansavelmente o nome das plantas e se apaixonou, principalmente, pelo jardim de cactos e pela cobra Boitatá, a defensora das florestas, de acordo com a lenda indígena.
Antes, fomos a uma feira, porque o menino queria um “acessório”. Saimos olhando as bancas dos artesãos e, de repente, ele parou em uma que vendia colares de pedras. Negociou sozinho a compra, explicando ao vendedor que desejava uma pedra transparente, pequena e fina. O artista abriu um mostruário de feltro preto com vários tipos de cristal. Sem pestanejar ele apontou para uma: Essa!
Surpreso com a segurança do pirralho, o vendedor lhe apresentou três tipos de barbante para tecer a cordão do colar. Caio escolheu um beje, dizendo que combinava melhor com a pedra. “Muito bem, voce terá um colar exclusivo, feito pela mãe natureza. Essa pedra não foi polida, foi encontrada nesse formato. E quando o sol bate nela, ela reflete um arco-iris”, informava o artesão, enquando trabalhava a peça.
Caio delirou com a história e a repetiu sem cessar, exibindo o acessório a todos que encontrava. Na segunda-feira, na escola, foi confrontado por um colega: Meninos não usam colar! “Usam, sim”, respondeu confiante, dando o exemplo de um professor da Unicamp, que se enfeita com um lindo colar indígena. Matou o bulling no nascedouro.
No feriado, ele veio me visitar em Caxambu. Além de passear no teleférico, fomos aos brinquedos do Parque das Águas, que são construídos em cimento e têm formas desafiadoras para escalar, se equilibrar, descobrir saídas, enfim, trabalhar corpo e mente dos pequenos.
Em um deles Caio parou no alto, sem saber como prosseguir. Fui salvá-lo. “Você quer ir para qual direção”? Indaguei. E ele, “não sei tia, perdi o rumo”!
À noite, escutando atentamente a conversa dos adultos, quis saber detalhes sobre o que é e como é o sacrifício de animais de estimação.
Eu estava contando aos pais dele que tive que sacrificar minhas gatas, por doenças incuráveis. Expliquei que era um procedimento de caridade e respeito aos bichinhos, por meio de uma injeção que os faz dormir e param o coraçãozinho deles.
No dia seguinte, no café da manhã, o pai dele me conta que a avó, de 96 anos, está muito mal de saúde, vivendo artificialmente com um tubo de alimentação enfiado no nariz.
Caio levanta a cabeça do prato de frutas que estava comendo e, dedinho para cima, sentencia: “Vai ter que sacrificar!”
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