Márcia Lage
50emais
Que nenhum matemático venha corrigir minhas contas. Nunca fui boa nessa disciplina. Certeza, então, não tenho, mas, usando a calculadora, estimo que já vivi 25.550 dias.
Significa que já presenciei o espetáculo de quase 852 luas cheias, desde a primeira que brilhava no céu quando escorreguei para o mundo. Era quase carnaval, e embora na vila distante onde me aportei essa festa não fosse celebrada, o momento era de música e dança e eu captei essa energia.
De acordo com meu registro de nascimento, eram 17h15m do dia 11 de fevereiro de 1955. O sol se preparava para partir e eu devo tê-lo avistado pescando a noite com sua rede de cores, pois desde então esse horário me fascina e me transporta para um lugar de paz e contentamento.
A partir daquela primeira golfada de ar, respirei 587 milhões e 650 mil vezes, sem nunca precisar de bombinhas de oxigênio. Às vezes, respiro mal, segurando no peito a angústia dos dias atabalhoados. Jamais nadei bem, por causa dessa ofegância.
Nunca consegui equilibrar inspirações e expirações no ritmo lento e profundo dos que deslizam sobre as águas feito patos. Nem tenho a cadência serena dos meditadores.
Continuo tentando melhorar esse fluxo, mas acredito que estou na média das 23 mil respirações por dia dos seres humanos que não são asmáticos.
Meu coração – oh, que máquina espetacular – já bateu 2 trilhões, 207 milhões, 520 mil vezes, sem descarrilar nas cordas. Ultimamente o tenho escutado à noite, numa batucada acelerada e alta.
Angústia, disse o cardiologista. Nada de anomalia. O músculo continua firme e pequeno, contando os minutos com 60 batimentos em média. Acelera para 160 quando eu corro na esteira, mas logo se recompõe. Não gosta de excessos.
Sempre achei que ele vai reduzir seus batimentos quando eu estiver dormindo, me transportando delicadamente para o desmanche final no buraco negro do universo.
Tenho a impressão que esse movimento de frenagem começa agora, aos 70. E deve terminar aos 84 anos, tempo exato que meu regente Urano leva para dar uma volta em torno do sol.
Bonito pensar que cavalgo esse planeta de cor azul-esverdeada, frio, denso e lento, saltando os obstáculos de seus 13 anéis violáceos e 15 luas deslumbrantes, entre as quais Titânia e Oberon.
Vislumbrando, de muito longe – aproximadamente 3 bilhões de km – o mesmo sol que ilumina meus dias na terra, cuja volta completa eu e meu cavalo Urano iremos concluir em 2039. Que bela cavalgada. Apearei num daqueles anéis azuis ou numa das 15 luas em seu apogeu?
Mistério! Quem talvez pudesse me dizer tudo isso seria Saturno, antigo regente de Aquário na astrologia antiga. Deus do tempo, que exige disciplina e enfrentamento dos medos, nos obrigando a crescer.
Saturno me perturba com seus ciclos de 29,4 anos e já deu 2,4 voltas em torno do sol desde que nasci, me virando pelo avesso aos 30 e aos 60 anos. Aos 90 fará nova mudança, quem é que suporta?
Tenho fé, considerando o movimento matemático dos astros, que não viverei a tempo de uma terceira crise existencial. Que Urano cumpra seu propósito de liberdade e independência que me deu ao nascer e me arrebate dessa Terra em seu profundo manto azul.
Mais não desejo, senão mergulhar em suas águas viscosas, de menos 195 graus, e ali permanecer para todo o sempre, admirando a rotação lilás de seus anéis e as várias luas cheias brilhando a cada 17 horas, junto ao pôr do sol que deve ser indigo ou roxo. Não pode haver melhor espetáculo para ser assistido do camarote da vida eterna!
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