50emais
Se eu tivesse que dar apenas um conselho para pessoas mais jovens, eu diria: Prepare-se para a sua aposentadoria, não só cuidando da saúde, mas financeiramente. É preciso guardar dinheiro para essa fase da vida, para desfrutar da maturidade
Foi o que fez a cearense Josefa Feitosa. Ela trabalhou por três décadas como assistente social no sistema carcerário do Ceará. E organizou sua vida financeira tão bem, que, hoje, vive viajando pelo mundo. Já visitou e documentou suas viagens a 64 países.
“A minha vida toda foi em cima da questão da violência, da Justiça, do encarceramento. Quando me aposentei, quis liberdade. Chega de portão, de grade, não quero mais nada me segurando”, diz ela.
Com esse pensamento, Josefa caiu na estrada e virou cidadã do mundo, como mostra este artigo de Adele Robichez para o Estadão.
Leia:
Josefa Feitosa trabalhou durante mais de 30 anos no sistema penitenciário cearense como assistente social. veja como ela se organizou financeiramente para ter uma aposentadoria confortável
A cearense Josefa Feitosa, 64, decidiu aproveitar o tempo da sua aposentadoria viajando sozinha pelo mundo. Ela deixou a casa que tinha em Fortaleza, no Ceará, para os três filhos, e hoje vive hospedada em hostels nos países onde visita. Ela está indo conhecer o 64º país.
Feitosa é assistente social e trabalhou por 35 anos na Secretaria de Justiça do Ceará, 30 deles no sistema penitenciário. Durante esse tempo, também deu aulas e investiu em uma previdência privada para poder viver com mais conforto durante a aposentadoria. Ela também usa nas suas viagens uma reserva financeira, que conseguiu economizar ao longo de dez anos.
Oportunidade
“A minha vida toda foi em cima da questão da violência, da Justiça, do encarceramento. Quando me aposentei, quis liberdade. Chega de portão, de grade, não quero mais nada me segurando”, diz
Ela documenta as viagens que faz nas redes sociais, com o perfil @joviajando na Instagram. Confira abaixo a sua história.
Do trabalho na prisão para a vida em liberdade
Josefa Feitosa deixou mais de três décadas de trabalho no sistema penal e se libertou de tudo o que a prendia em Fortaleza, para onde se mudou aos 17 anos, de Juazeiro do Norte, sua cidade natal. “Depois que me aposentei, larguei meu lado altruísta e fui viver meu lado egoísta”, brinca.
Ela se aposentou no dia 1º de outubro de 2016. Exatamente 15 dias depois, já estava com passagem só de ida comprada para Belém, no Pará. Assim, fez as primeiras viagens dentro do Brasil. “Eu não conhecia nem o Norte, nem o Sul do País”, diz.
Antes da aposentadoria, Feitosa guardava com carinho uma lista de 20 países para os quais gostaria de ir. “Mas sou mulher, sou preta e não falo inglês. Minha filha sempre me trazia essas questões, e eu pensava: ela tem razão”, revela.
Leia também: Por que o intercâmbio depois dos 50 faz tão bem
Mas um dia um grupo de alunos de uma universidade na cidade de Coimbra, em Portugal, teve contato com a jornada de Feitosa, e a convidou para uma pesquisa acadêmica sobre o sistema penal feminino, em 2017.
“Fui despretensiosamente. Achei que ia ficar alguns dias em Portugal e, quem sabe, talvez aproveitar e dar uma esticada na Espanha, na França. Mas lá, percebi que as coisas não são tão complicadas quanto parecem, as fronteiras estão abertas”, relembra.
Desde então, ela não parou mais de viajar, e está indo para o 64º país. Naquele ano, viajou para 15 países da Europa, entre eles Espanha, Suíça, Itália, França e Irlanda, onde ficou cinco meses estudando inglês. “Virei outra pessoa, o mundo e a minha cabeça se abriram”, constata.
“Consegui me organizar pra viver com o salário de assistente social trabalhando no sistema carcerário e economizei tudo que ganhei como professora ao longo de dez anos. Também fui me adaptando ao minimalismo. Cortei muitas coisas supérfluas para mim, como idas semanais a salão de beleza, restaurantes, compras de roupas e calçados, bolsas… Além disso, os filhos ficaram adultos e independentes, não demandando muitas despesas”, explica a cearense.
A aposentada destaca que seguiu o exemplo dos seus pais para economizar dinheiro. “Eles sempre economizaram pra comprar imóveis, que alugavam. Falavam que não queriam botar o peso da velhice deles nos ombros dos filhos. Eles se foram e ainda nos deixaram herança. Nós, cinco filhos, nunca tivemos nenhuma despesa com eles”, conta.
Durante as viagens, Feitosa estabelece um teto de gastos diários. “Hoje tenho uma ideia das minhas despesas, que não são muitas tendo em vista que não tenho mais boletos fixos como luz, água, condomínio, IPTU, IPVA…”, diz. No momento, ela está desembolsando cerca de 40 euros por dia na Europa. Em abril, o seu gasto médio foi de 35 euros diários.
Ela deu a casa para filhos e saiu viajando pelo mundo
No fim de 2017, ela voltou para o Brasil e deu a casa que tinha para os três filhos, que repartiram o bem. Em seguida, foi para a África do Sul.
Leia também: Tudo que você gostaria de saber sobre intercâmbio 50+ no exterior
“Não tenho mais casa porque eu não quero, não sinto necessidade. Casa nós temos em qualquer lugar do mundo, moro em vários lugares e vou embora. Não preciso de muita coisa e me sinto feliz sem boleto para pagar todo mês”, diz. Feitosa viaja com quatro mudas de roupa dentro de uma mochila e vive em hostels por onde passa.
Ela atendeu a reportagem do Estadão por telefone diretamente de Praga, capital da República Checa. Informou que, no dia seguinte, estaria indo em direção a Bratislava, na Eslováquia, antes de seguir para Budapeste, na Hungria.
O estilo de vida que adotou a aproximou da família. “Me cuido muito porque não quero jogar o peso da velhice nos ombros deles. Aprendi que tenho que dar espaço para eles viverem a vida, sempre fui muito controladora como mãe solteira. Hoje nos admiramos e nos respeitamos muito mais”, relata.
Por outro lado, ela diz que perdeu os amigos que tinha na cidade onde morava, pois eles não entenderam a sua decisão de viver dessa forma. Mas, no caminho, vai colecionando novos amigos. “Sempre tem gente que sai comigo, me divirto muito. Adoro ficar em hostel por isso, é uma solução para mim porque encontro companhia, faço amizades e vou conquistando espaços”.
Ela fala que sofreu discriminação em muitos lugares do mundo, mas isso não a faz parar. “Tem preconceito em todo lugar do mundo”, destaca. “Agora, na Estônia, não tem pretos como eu. Entrei em um ônibus aqui e as pessoas olharam com muita raiva, fiquei assustada”, diz.
De acordo com a cearense, há muitos hostels que não recebem pessoas com mais de 40 anos. “Já fui rejeitada algumas vezes porque passei da idade”, afirma. No início, ela ficava em qualquer lugar. Depois que sofreu um acidente, ao cair de uma beliche em Buenos Aires sozinha, entende que precisa ser mais seletiva com os locais onde se hospeda. “Tenho mais necessidades”, assume.
Aposentada incentiva outras mulheres a viajar com conta no Instagram
Feitosa criou uma conta no Instagram com ajuda da filha em 2019, com o intuito de “guardar memórias e dar notícias à família”. Hoje o perfil tem mais de 28,8 mil seguidores.
“Eu não tinha rede social, e um celular com 32 GB de memória, apagava muitas fotos. As imagens que registrava eram de carros passando, do chão… Em Boston, comprei um celular novo, e um menino italiano que encontrei em um hostel saiu comigo o dia inteiro, me mostrando como era o olhar para fazer fotos. Aprendi muita coisa com os jovens”, conta.
Atualmente, ela recebe muitas mensagens de mulheres que sentem vontade de aproveitar a aposentadoria viajando, mas diz que muitas não conseguem se desvencilhar das responsabilidades colocadas especialmente sobre as mães, e se sente feliz em conversar com elas para tentar mudar isso.
“Fui aprendendo a mexer nas redes sociais, não sei muita coisa. O que sei é para mim. Já recebi propostas de pessoas querendo mandar presentes, ‘recebidos’. Eu digo: não mande, não quero estresse. Só quero postar foto e ser uma velha bacana”, diz.
Todo ano Feitosa retorna ao Brasil por questões burocráticas, como a prova de vida para o INSS. Mas, neste ano, ela vai retornar para Fortaleza em julho, para uma peça teatral que será feita em sua homenagem.
Leia também: Lya Luft: Por que implicamos com as palavras “velho” e “velhice”
“É um monólogo muito interessante, uma mulher com uma mochila nas costas contando as suas peripécias. O texto foi baseado nas minhas entrevistas e escritos nas redes sociais”, anuncia.
Depois, voltará a rodar o mundo. “Ser nômade é a melhor coisa que me aconteceu. Me sinto livre, uso o meu dinheiro para mim. Não tenho pretensão de mais nada, a não ser de comprar passagens, passear, beber cerveja, comer o que eu gosto, bater perna e experimentar coisas e sabores novos”, declara.
Ela diz que o mundo não é um terror, como fazem parecer. “Se fosse tão ruim, eu não teria passado por 63 países sem saber os idiomas. Somos todos vulneráveis, mas essa vulnerabilidade nos dá coragem”, afirma. No futuro, ela pretende lançar um curso para ensinar e incentivar as pessoas a viajarem sozinhas.
Meu Deus, que lição de vida.
Estou prestes a me aposentar…
Preciso aprender muito.