Elisa Santana, 50emais
Esta manhã, um chá de alecrim e Bach me acompanham na aventura matinal. Não sem antes ter feito um Reiki em mim mesma e exercícios físicos desde a cama para acordar o corpo, os desejos, um pouco de alegria e a fé, porque esta realidade que criamos está noite sombria, densa, difícil. Aos 62 anos, a vontade é de só me encontrar com as amigas(os), viver tomando banho em cachoeiras, viver entrando no mar, ficar olhando pro céu e agradecendo os bons ventos.
Posso? Posso, mas não devo porque outras coisas ainda me prendem à cidade chamada ”grande”. E nela, me salva a arte. Todas. Trabalho com várias delas dentro e fora de mim. Salve o cinema, a música, a poesia, o teatro!… Aaaah!, o teatro!!! Dentre elas o meu primeiro amor. São 43 anos juntos. Eu e ele. Salve!
Através do teatro tenho aprofundado a relação com minhas irmãs. Todas mais velhas que eu. Hoje somos sete mulheres em uma família que agora é composta de 10 irmãos. Já fomos doze. Brincam em outra esfera cósmica dois de nós, um homem e uma menina – ela se foi cedinho, ele se foi novo, mas ficou mais tempo conosco. Das sete irmãs, cinco estão brincando de fazer teatro comigo, com a consciência de que todo brinquedo é sério e maravilhoso na formação de qualquer criança/pessoa. A arte salva.
Em novembro do ano passado, minha irmã acima de mim me relembrou do quanto foi bom já termos feito, todas nós juntas, comigo orientando, um trabalho corporal que nos fazia estar unidas, rirmos, conversarmos, aprendermos, nos questionarmos e entrarmos em desacordos que os próprios exercícios e as conversas dissipavam. Ela me sugeriu voltarmos a fazer isso em uma sala ampla e acolhedora de uma casa antiga, construída há três séculos, que ela agora iria habitar. Eu, recém aposentada como professora de teatro da PUC/MG, achei muito boa a ideia.
Juntamos nós e mais 4 amigas. Agora seríamos um grupo de 9 mulheres, de idades que variam entre 62 e 73 anos – 8 mulheres nos exercícios e brincadeiras cênicas e eu coordenando. A princípio não havia a intenção de ser um exercício que de fato levasse à cena. Muitas delas nem sabiam que podiam. Na sua maioria queriam apenas estar juntas.
Isto fez com que eu atentasse para o fato real de que, com a idade, tendemos a ser ou ficar mais sozinhas (os). O que pode ser bom ou ruim, dependendo de como enfrentamos ou compreendemos nossa solidão. Saber fazer dela a melhor companhia é outra arte fundamental, evita que nos sintamos sozinhas e busquemos ou aceitemos “qualquer coisa” para nos livramos dela
Numa segunda-feira- de março desse ano, nossa aventura começou. Passamos a nos encontrar todas as segundas, por três horas, para brincar de brincar, fazermos exercícios no chão, rolar, dançar, conhecer melhor a voz, as possibilidades do corpo. Muitas vezes, morríamos de rir, a ponto de ter fila na porta do banheiro. De quebra, terminávamos o dia com um lanche, que preparávamos. Demos ao nosso grupo de teatro o nome de “As Lindas.” E somos.
Daí para eu pensar em terminar nosso processo com algo encenado foi um pulo. Para as oito mulheres não tão meninas, acordando a menina e a força que cada uma delas tem, escolhi temas que passassem pelo feminino, pela morte e pela vida. Peguei um conto do jornalista e escritor Eduardo Galeano que se chama “O Lagarto que tinha o Costume de Jantar suas Mulheres” e também escrevi um poema intitulado “Luzia”, que versa sobre vida, morte, vida.
Dos 9 meses passados juntas, três deles foram ensaiando. Algo simples, mas profundo. Trabalho pronto, encenamos para uma pequena plateia de parentes e amigos. Ao final da encenação, o mais bonito foi ver a alegria delas por saberem que conseguiram e podem o que nem elas sabiam que podem conseguir. Com o teatro estão começando a se perceber melhor. Eu? Feliz por me aproximar delas e re-significar a irmandade através da arte.
Todas nós gostamos tanto que já decidimos: neste ano que vem chegando, continuaremos juntas.