Márcia Lage
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Por mais de 40 dias o presépio do sr. Natale esteve montado na calçada da casa dele, numa rua próxima ao hospital de Caxambu, no sul de Minas. Dia e noite tocando músicas de Natal em ritmo de Chorinho. Milhares de luzinhas azuis, algumas fontes de água movendo moinhos e monjolos. Centenas de esculturas e miniaturas de casas. E nenhuma peça foi roubada.
Não é porque a cidade tem índices quase zero de criminalidade que o presépio se manteve incólume, recebendo a visita de mais de cinco mil pessoas, moradores e turistas. É porque, segundo seu criador, presépio tem uma força de autoproteção tão gigantesca que nem as intempéries são capazes de destrui-lo.
Houve dois vendavais na cidade durante a exposição. Um deles derrubou árvores nos quintais das casas ao lado. Dentro da gruta, construída com papel que imita pedra, nada foi derrubado. A tosca armação da obra, feita com palhas secas de coqueiro, permaneceu firme como uma verdadeira rocha.
O sr. Natale arma e desarma o presépio de Caxambu há 49 anos. Mas começou a atividade antes, no Rio de Janeiro, onde deu com os costados em 1953, vindo da Calábria, Itália.
O pai foi seduzido a emigrar para o Brasil por parentes que tinham vindo nas duas grandes guerras.
Até hoje Natale não sabe porque foi o escolhido, entre nove irmãos, para a aventura do pai. O fato é que amaram o Brasil, foram bem sucedidos no trabalho e pouco tempo depois trouxeram o restante da família.
Na bagagem da mãe, não coube as pequenas esculturas que Natale já colecionava na Calábria, onde era pastor de ovelhas e nasceu no dia 25 de dezembro, dai o nome.
Mas no Rio, desde que chegou aos 18 anos de idade, ele manteve a tradição e montou vários presépios na rua. Mesmo lá, não houve ocorrência de furto das peças. Presépio impõe respeito.
Foram as águas que trouxeram o sr. Natale para Caxambu. Ele estava com pedras nos rins, fez um tratamento nas fontes do parque da cidade e se curou.
Passou a voltar a cada três meses. Depois, comprou terreno, construiu casa e, quando se aposentou, instalou-se de vez na mesma rua onde, a cada ano, oferece ao povo do lugar seu hobby e sua devoção.
No Natal, ele completou 90 anos. Não tem nenhuma queixa de saúde, a não ser leve surdez e pequena catarata, que ele trata com as águas curativas das 12 fontes existentes no parque. Está casado há 61 anos com a brasileira que encontrou no Rio. Tem dois filhos. Netos. Quatro irmãos ainda vivos.
Sua Itália rural está representada no jardim que ele cuida sozinho. Nunca voltou à Calábria. O Brasil é, para ele, a Terra Prometida, que teve a sorte de encontrar. E seu presépio é uma forma de dizer obrigado ao povo e ao país que o acolheu. É como o ouro, o incenso e a mirra que os três Reis Magos deram de presente ao Menino Jesus, ele explica.
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