Maya Santana, 50emais
Não me lembro de nenhuma outra eleição que acirrasse tanto os ânimos como a deste domingo, 07 de outubro. Talvez por intolerância nossa ou porque não sabemos discutir de maneira sadia, muitas relações se romperam nos últimos tempos pelo fato de as pessoas, gente de uma mesma família, terem abraçado candidaturas diferentes para Presidente da República. Presenciei há poucos dias uma discussão absolutamente desconcertante, num jantar na casa de amigos. Os anfitriões começaram a elogiar seu candidato. Não demorou muito para se engajassem numa discussão sem fim com outro casal, muito amigo, que optara por outro candidato. A coisa terminou mal, com gritos e acusações. Quando li este artigo de Mariana Martinez e Waleska Borges, do Globo, sobre como as relações com amigos e familiares estão sendo afetadas por posições políticas divergentes, achei que seria interessante publicar aqui no 50emais. Acredito que muita gente vai se identificar com o artigo.
Leia:
Para comemorar os 43 anos, em 17 de setembro, a cientista política Karina Junqueira reuniu parentes e amigos mais próximos na mesa de um bar. O grupo de sete pessoas conversava animadamente quando, já no final da festa, ela e o irmão engataram um debate sobre política que acabou se transformando em bate-boca. Os convidados decidiram se levantar. Ficaram apenas os dois, tentando chegar a um consenso sobre o assunto.
— Meu irmão tem orientação política totalmente contrária da minha. Com ele, não tem nem conversa. As pessoas um pouco mais distantes da minha família, como primos e tios, também já estão bloqueadas nas minhas redes sociais — disse Karina.
O caso da cientista política não é uma exceção. Com o debate político cada vez mais polarizado, os desentendimentos acontecem com frequência e muitas vezes extrapolam o limite das redes. Mas como tratar de um tema tão polêmico em família? Para especialistas ouvidos pelo O GLOBO, o assunto não precisa ser evitado, mas exige cautela.
A designer de interiores Marcele Nasi, de 30 anos, também do Rio, recebia em casa a irmã e a mãe Márcia Nasi, 60 . As três assistiam às notícias sobre o ataque a Bolsonaro na TV e faziam comentários. Como Marcele é contra o candidato do PSL e Márcia é a favor, o papo degringolou.
— Essa discussão foi dias depois da facada. Não entra na minha cabeça como elas veem nele uma saída para o país — disse Marcele.
Márcia explica sua opção por Bolsonaro:
— Eu vivi num momento militar. Tenho 60 anos. A gente vivia tranquilo. Eu não sou anarquista. Naquela época, tinha medo de militar quem era anarquista. Não sei porque a minha filha tem essa ojeriza do Bolsonaro. Sou totalmente a favor dele. Maldita a hora que o voto deixou de ser secreto dentro de casa — diz Márcia.
A professora carioca Meg Rocha, de 27 anos, está estremecida com o pai. Ele é eleitor de Jair Bolsonaro, do PSL, e Meg vota em Ciro Gomes, do PDT. Os dois moram na mesma casa, mas agora pararam de conversar sobre qualquer assunto. Os diálogos estão restritos a “oi”, “bom dia” e “boa noite”. Meg lembra que a discussão mais fervorosa aconteceu logo após uma entrevista de Bolsonaro na TV.
— Nós estávamos conversando enquanto víamos TV, quando fiz uma crítica e começamos a brigar. Acho que depois da eleição isso vai passar, pois nos damos muito bem. Mas, por enquanto, estamos falando apenas o essencial — afirmou Meg, que também já foi excluída de uma rede social pela madrinha e por seus primos.
A dona de casa Natália Ferreira Aguirre, de 23 anos, que mora no Rio, discutiu com o padrasto ao buscar o filho na casa da mãe. A briga foi provocada por causa de dúvidas sobre a veracidade de uma das fotos de um protesto contra Bolsonaro que viralizou na internet. A imagem, no entanto, é verdadeira.
— Eu provei para ele que a informação de que aquela foto era uma montagem era ‘fake news’. Não evito discussão. Bato de frente porque tenho argumentos — disse Natália, que também já se indispôs com primos e marido pela mesma razão.
— Esses dois lados sempre conviveram mais ou menos bem. Mas com o desenrolar do processo político, a situação foi ficando bem ruim.
A tensão começou a aumentar em 2014, com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, que suscitou opiniões muito divergentes. A partir disso, as festas de Natal, que costumavam ser concorridas e reunir até 50 pessoas, nunca mais foram as mesmas.
— As pessoas foram se distanciando a ponto de esfriar totalmente a convivência. Acho que esse ano nem vai mais ter Natal, será cada um em sua casa — afirmou.
Christiane Valente Vieira, especialista em psicologia sistêmica familiar, conta que esse tipo de discórdia já chegou aos consultórios terapêuticos. Ela acredita que, passado o calor das eleições, esses desentendimentos devem superados:
— Depois que passar um tempo, elas vão falar: “gente como eu fiz isso? Como tive coragem de abrir mão de um amigo que esteve comigo a vida inteira?”. É esperado que as pessoas voltem para suas realidades. Elas vão pedir desculpas para o amigo e o parente com quem brigaram.
A consultora e palestrante na área de Desenvolvimento de Pessoas, Gisela Chicralla, os conflitos são naturais. Mas o ideal é procurar moderação nas discussões.
— Quando é funcional, o conflito não é ruim, porque pode incentivar a troca de novas ideias. O problema é o conflito disfuncional, quando as ideias são divergentes e não é possível extrair nada de bom. É preciso respeito e a compreensão de que as pessoas são diferentes — afirmou.
A psicóloga clínica Sally Carvalho concorda com a ponderação da professora: é preciso sempre esforço para buscar um meio termo.