Márcia Lage
50emais
Às 9 horas em ponto uma super garrafa de café, de uns 10 litros mais ou menos, aparece na recepção do Centro de Oncologia. Os pacientes – incontáveis – estão sentados em cadeiras de plástico e pés de aço, bonitas e anatômicas, nem têm tempo para o cafezinho. Em menos de um minuto são chamadas para a triagem e encaminhados para tratamento.
Quem vai fazer radioterapia segue para a Sala do Sino, onde aguardam ser chamados. Se um deles termina essa etapa do tratamento é convidado a tocar um sininho na parede de entrada, sob aplausos dos médicos, enfermeiros, colegas de tratamento e acompanhantes.
Enquanto faz a catarse o paciente pode ler novamente na parede oposta uma frase que o animou por meses: “O sorriso é o gesto mais bonito. Tem o poder de libertar o coração”. Por trás das máscaras, todos sorriem.
O câncer, no hospital da Fundação São Francisco Xavier, no Vale do Aço, em Minas Gerais, não é doença que assusta. Sem desespero, com persistência e esperança, habitantes de 67 cidades do leste e nordeste do estado passam pelo Centro Oncológico todos os dias.
Vêm de ambulâncias municipais, de carro próprio, de transporte público. Um jardim os espera, com cadeiras de rodas enfileiradas. A maioria não precisa delas. Entram com seus acompanhantes, pegam a senha em totens eletrônicos e se ocupam da cura.
Os que estão fazendo quimioterapia são atendidos antes por um médico, que avalia o estado de saúde de um por um, referendado semanalmente por exame de sangue, feito ali mesmo, na hora, se preciso for. Ou um dia antes, nos laboratórios credenciados pelo SUS. Tudo de graça.
Os médicos são gentis: “Quem é o paciente?” – costumam perguntar dando a entender que vê duas pessoas cheias de saúde à sua frente, quem se trata e quem o acompanha.
Entre exames e elogios, pesagem e ajuste da dosagem dos remédios, encaminha o paciente para o setor da infusão.
São mais de 50 cadeiras reclináveis para homens e mulheres, com cobertores marrons (a sala é gelada), TVs e muitos banheiros.
As sessões duram mais de duas horas. Alguns dormem, outros olham o celular, muitos conversam entre si, trocando experiências e encorajamento.
Às 10 horas chega o lanche. Ao meio dia, o almoço. Fazem as refeições numa sala de vidro, com mesas e cadeiras coloridas.
Os acompanhantes têm os mesmos direitos. Caminham 200 metros e alcançam uma instituição de apoio, que oferece alojamento para quem é de fora e alimentação para todos os envolvidos no tratamento.
A comida é simples, nutritiva e feita com carinho: verduras, legumes, arroz, feijão, frango, suco, sobremesa.
Depois do almoço é possível descansar em bancos sob árvores frondosas, comer mangas dos pés imensos existentes no local.
Quem sustenta tudo isso? Além do SUS, outras iniciativas locais, como bazares, rifas, doações. Acima de tudo, gestão.
Treinamento. Humanização do atendimento. Como a do enfermeiro que segura as mãos dos pacientes e explica, com delicadeza e sinceridade, as agruras que o esperam antes da primeira sessão de radioterapia.
Olha nos olhos. “É um pouco desconfortável. Mas é o que vai te curar. Tenha paciência. Vai passar. É só uma fase ruim”.
Busco o nome dele nas fotos fixadas como flores num desenho de árvore na parede que dá acesso às salas de tratamento. “Estes são os sorrisos que estão por trás das máscaras”, diz a placa ao lado.
A cara do enfermeiro destoa das carinhas jovens da maioria absoluta dos profissionais de saúde que ali trabalham. Ele tem mais de 50 anos. Descubro que foi soldador da Usiminas, empresa que ajuda a sustentar a instituição.
Antes de se aposentar, fez enfermagem e mudou de ramo. Conta que se sente abençoado na nova profissão, apesar de ganhar muito menos. Sua remuneração é a alegria de servir.
Continua soldador. Cola sorrisos e esperança em seres humanos fraturados pelo câncer. Com a mesma dedicação e eficiência que fez dele operário padrão da Usinas, muitas e muitas vezes.