Quando a gente termina de ler esta reportagem de Pedro Madeira para o jornal O Globo, é impossível não se indignar. Como podem aplicar golpes em pessoas mais velhas, fragilizadas, incapazes de perceber a má fé por trás de cada oferta? Pois é isso que fazem planos de saúde e seus principais parceiros na categoria de golpistas: os bancos. Eu mesma, 68 anos, quase sempre atenta, caí num desses golpes. Quando saí do banco havia comprado um seguro, do qual só tomei conhecimento dias mais tarde quando conferi o meu extrato bancário.
A reportagem de O Globo descobriu que empréstimos não consentidos, fraudes e reajustes abusivos estão entre as reclamações mais frequentes dos idosos. Além dos golpes mais comuns, mostra os direitos que uma pessoa com mais de 60 tem e ensina como se defender de vendedores e instituições inescrupulosas.
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Na terça-feira, dia 1º de outubro, é celebrado o Dia Internacional do Idoso. No Brasil, no entanto, quem já passou dos 60 anos parece não ter muito a comemorar. A Defensoria Pública e o Ministério Público do Rio acumulam relatos de abusos financeiros contra idosos e queixas de aumentos que podem ser vistos como expulsórios dos planos de saúde. Sem falar nos golpes que têm consumidores seniores como alvo preferencial.
Aos 64 anos, Maria Benedita dos Santos tem um terço da sua pensão comprometida com consignados, a maioria dos quais ela não reconhece ter contratado. Há dívidas com seis bancos. Superendividada, ela recorreu à Defensoria, que está fazendo um inventário de seus débitos.
— Esses empréstimos estão comendo uma boa parte dos meus rendimentos. Todo mês vêm vários descontos que não reconheço — conta Benedita.
Segundo Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria, as fraudes em consignados são as mais frequentemente relatadas pelos idosos:
— Fora golpes que usam os dados do consumidor para pegar empréstimo em benefício de terceiros, há muitos casos em que o idoso tem um valor depositado em sua conta sem que tenha sido consultado.
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Isso foi exatamente o que aconteceu com a aposentada Maria Angélica Marques, de 68 anos, que há um ano e meio tenta cancelar um consignado não solicitado com o Banco Pan. Depois de reclamar ao banco, sem ter solução, fez um boletim de ocorrência e enviou carta à instituição. Nada se resolveu.
— Quando pedi o contrato, constatei que era falsificado. Forjaram minha assinatura e colocaram outro número de telefone e endereço. E o pior, incluíram meu nome no SPC e vivem me cobrando— conta Maria Angélica.
O Pan disse estar em contato com a cliente para resolver o caso o mais rápido possível.
Nova regra para crédito – Coordenadora do Movimento Longevidade Brasil, Carlota Esteves diz que o sistema bancário é de fato o maior alvo de reclamações dos idosos, que sofrem assédio das instituições:
— Muitas vezes um idoso acaba aceitando contratar um serviço para agradar ao gerente “bonzinho”. Quanto mais o idoso se isola do convívio social, mais vulnerável se torna.
Carlos Batalha, educador financeiro e membro do Conselho Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor, diz que já viu absurdos como a venda de uma previdência privada para uma senhora de 75 anos.
— É preciso entender que há um declínio cognitivo com a idade, e o isolamento social, a exclusão digital, tudo isso aumenta a vulnerabilidade. Não se pode culpar o idoso por cair em golpes — diz.
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A situação é tão complexa que, na última semana, foi lançado o Sistema de Autorregulação de Operações de Empréstimo Pessoal e Cartão de Crédito Consignado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pela Associação Brasileira de Bancos (ABBC). As regras, que entram em vigor em janeiro, preveem o bloqueio de ligações para oferta de consignado e tornam mais clara a possibilidade de cancelamento do empréstimo, em sete dias, caso o contrato seja firmado a distância, como prevê o Código de Defesa do Consumidor.
No caso de Maria Audete Vilela, de 80 anos, o que a faz perder o sono é a mensalidade do plano de saúde de R$ 3.213. Sem conseguir acordo com a Unimed-Rio via Procon, ela recorreu à Justiça:
— Estou há 29 anos no plano, e agora sinto que querem me expulsar— reclama.
O advogado Thiago Loyola, professor de Direito do consumidor da Universudade Candido Mendes, conta que a aposentada venceu o processo em primeira instância e estima que a mensalidade deve cair para cerca de R$ 1.800:
— O Judiciário tem se mostrado sensível a esses casos e expurgado as cláusulas que preveem reajustes abusivos.
A Unimed-Rio disse não comentar ações judiciais.
Confira as orientações de especialistas
Golpes: Troca do cartão ou retenção no caixa eletrônico; empréstimo consignado indevido; golpe do recadastramento com o roubo de dados pessoais.
Orientações: Nunca forneça dados bancários a estranhos. Nem confirme ou forneça dados pessoais por telefone.
Bancos: O uso de caixa eletrônico não é obrigatório. Caso não se sinta capaz de usá-lo, dirija-se a um caixa ou peça ajuda a funcionário identificado do banco. Nunca aceite a ajuda de desconhecidos. Ao digitar a senha, fique próximo ao teclado para evitar que alguém veja. Não guarde a senha junto com o cartão. Avalie usar o débito automático. Evita multa por atraso de pagamento e idas ao banco, reduzindo a chance de golpes e assaltos.
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Empréstimo: Não contrate empréstimo por telefone, nem por impulso. Desconfie de quem fizer pressão para que tome a decisão apressadamente ou para que antecipe o pagamento. Ao contratar empréstimo, verifique a soma do total de parcelas e o CET (custo efetivo total). Essa taxa engloba todos os encargos e despesas que incidem sobre a operação. Nunca contrate empréstimo sem entender todas as cláusulas e verificar sua capacidade de pagamento. Exija a cópia do contrato.
Planos de saúde: A operadora do plano de saúde não pode se negar a fazer contrato com um idoso. O Estatuto do Idoso veda reajustes por mudança de faixa etária a partir dos 60 anos. A ANS aplica a regra somente para contratos assinados a partir de janeiro de 2004, quando entrou em vigor o Estatuto. Há decisões judiciais que aplicam a regra do Estatuto a contratos anteriores e quando reconhece abusividade do reajuste, ainda que previsto em contrato. Tanto em hospitais públicos quanto privados, o idoso tem direito a acompanhante.
Transporte: É direito do idoso (a partir dos 60 ou 65 anos, de acordo com a cidade) a gratuidade no transporte coletivo, como ônibus, metrô, dentro da cidade ou entre cidades vizinhas. No caso de transporte coletivo interestadual, cada ônibus deve reservar duas vagas gratuitas para maiores de 60 anos com renda menor ou igual a dois salários mínimos. Se houver mais de dois idosos para embarque com essas características, a empresa deve dar desconto aos excedentes de ao menos 50% do valor da passagem. Em estacionamentos públicos ou privados, 5% das vagas devem ser reservados a idosos.
Eventos: O idoso tem direito a descontos de ao menos 50% no valor do ingresso para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer e acesso preferencial. Basta apresentar documento.
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Fuja de armadilhas: Não abra e-mails nem atenda chamadas de pessoas desconhecidas. Consulte pessoas de sua confiança antes de tomar uma decisão financeira importante. Procure entidades de defesa do consumidor para obter orientação e tirar dúvidas antes de realizar uma operação financeira.
Atendimento: A lei 10.741/03 assegura ao idoso o direito de ser atendido com prioridade.
A quem recorrer: O direitos são garantidos pelo Estatuto do Idoso e pelo Código de Defesa do Consumidor. Qualquer descumprimento pode ser denunciado ao Procon, à Defensoria Pública, ao Ministério Público ou à agência regulatória que responde pelo serviço.
* Estagiário, sob supervisão de Luciana Casemiro