Márcia Lage
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Viajar é mergulhar no desconhecido e quebrar preconceitos, diz o jornalista Eduardo Campos, há três meses no barril de pólvora que é o Oriente Médio. Não está a trabalho. Foi a passeio, num feriado sabático de um ano, que começou e vai terminar em Portugal.
Neste momento, é basicamente uma exploração da cultura islâmica. Posteriormente, pretende pesquisar as nossas raízes africanas.
Dudu já foi detido no Líbano, onde fotografava manifestação pró-palestina. Essa experiência, antes de amedrontá-lo, coloca-o numa condição de testemunha dos conflitos atuais envolvendo países da região, deflagrados depois que ele já estava lá.
A viagem começou a ser planejada um ano antes, por uma necessidade sua: experimentar o sentimento de outros povos e imaginar um mundo sem fronteiras. Antes de chegar ao Irã, passou pela Arábia Saudita, Líbano e Tunísia, sempre se hospedando em casas de família, para viver em profundidade as experiências afetivas e culturais que queria ter.
Na Tunísia, encontrou um pai. Órfão recente da mãe, de quem cuidou até os últimos dias, que resultou em um livro sobre Alzheimer, Dudu perdeu o pai há 36 anos. Quando se hospedou com Ahmed, um senhor de 85 anos, nasceu entre eles uma relação mútua de amizade e respeito.
– “Foi um sentimento profundo, uma empatia tão grande que choramos juntos várias vezes, ao contar nossas histórias um para o outro. Asmed hospeda turistas para educar um neto na França. E eu procuro vencer o medo das perdas, que vão ficando maiores à medida que envelheço” – conta ele.
Esse vazio afetivo que as mortes de pessoas queridas vão deixando, de certa maneira vai sendo preenchido pelas novas amizades. Da mesma forma que ganhou um pai, Dudu encontrou também uma família no Irã, onde compartilha casa com um casal de artistas, ele músico, ela cantora, e um casal paquistanês e seus dois filhos.
Nesse ambiente moderno, onde mulheres e crianças têm voz, todos se irmanam nas atividades cotidianas de cozinhar, limpar a casa, lavar a louça, fazer compras. E conversam muito, enriquecendo o repertório cultural de cada um.
– “É transformador para mim e para eles esse intercâmbio de modos de vida. Outro dia, ouvi o Eli dizer para o paquistanês que estava aprendendo muito comigo”, diz emocionado.
“Também aprendo muito com eles sobre as questões religiosas do povo mulçumano, e aprendo a respeitar nossas diferenças,” comenta ele, concluindo: “No fundo, somos todos iguais”.
A estada no Irã vai criando laços afetivos difíceis de serem desfeitos. Vencido o visto, Dudu volta à Tunísia para rever o novo pai, que vai fazer 86 anos. De lá, segue pelo território africano, buscando entender o passado escravocrata brasileiro, as contribuições culturais que recebemos deles e a herança social que a escravidão deixou aqui.
– “O que me motiva a viajar é a curiosidade. A necessidade de aprender mais sobre o mundo, as crenças e os hábitos dos povos” , diz o jornalista.
Sua peregrinação etnica-geográfica-cultural e afetiva vai durar todo este ano.
Nos projetos, um livro relatando a experiência e, depois, outra viagem, com os mesmos propósitos, pela América Latina.
Dudu tem 65 anos. Vai celebrar 66 em maio, em plena África.
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