Ingo Ostrovsky
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Apenas uma coincidência. Foi justo neste fim de semana em que o Brasil celebrou o Dia da Consciência Negra, que um personagem chamado Barão da Torre ocupou minha agenda. Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque era um rico e influente senhor de engenho na Bahia e ganhou o título de Barão da Torre – e também o de Visconde de Pirajá – por sua astúcia militar nas guerras pela independência do Brasil. Foi dono de muitos escravos. Por parte de mãe era descendente de Garcia d’Ávila, o maior latifundiário das terras brasileiras e, segundo o historiador Laurentino Gomes (em Escravidão Volume 2, da editora Globolivros) um desalmado algoz de centenas de negros escravizados.
As ruínas dessa famosa Torre, aliás, existem até hoje, na Bahia, não muito longe de Salvador, em terras que outrora foram de D’Ávila.
Atualmente Visconde de Pirajá, Garcia D’Ávila e Barão da Torre dão nome a três ruas importantes de Ipanema, o celebrado bairro do Rio de Janeiro. Não sei porque esses escravocratas foram homenageados dessa maneira. Vou apurar.
O que nos interessa hoje é a foto que ilustra esta crônica. Foi batida na rua Barão da Torre, na cobertura onde vivia o capixaba Rubem Braga, decano dessa turma.
O fotógrafo – ô sorte! – era Paulo Garcez um craque das lentes que, entre outras máquinas “de retrato”, usou a Rolleiflex que foi parar na letra da canção Desafinado, pioneira da bossa nova, onde revelou-se “sua enorme ingratidão”.
Garcez fez várias fotos dessa reunião. Os engravatados estavam ali para celebrar a criação de uma nova editora, a Sabiá. Eram tantos bambas juntos que eles ensaiaram posar como um time de futebol, tendo à frente Vinicius de Moraes e Sérgio Porto (que conheceríamos como Stanislaw Ponte Preta). A seleção do tri ainda não entrara em campo, mas Garrincha já havia trazido o bi da Copa do Chile, em 1962. Repare que Vinicius tem um cigarro entre os dedos. Fumava-se muito naquela época e ficamos sabendo que, na hora das fotos, Vinicius reclamara que passava de 5 da tarde e ainda não havia whisky na roda…
Tanto as fotos quanto suas histórias fazem parte da antologia Os Sabiás da Crônica, organizada por Augusto Massi para a editora Autêntica. Livro importantíssimo para conhecer os escritos de Braga, Vinicius, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Sérgio Porto e José Carlos Oliveira. E para saber mais sobre este gênero literário que tem raízes bem brasileiras.
Aprendi a ler crônicas me deliciando com os textos destes seis baluartes. Massi nos lembra, entretanto, de outras três gerações de cronistas que, bem ou mal, acabamos lendo ao longo da vida e se deixando influenciar por talento, vocabulário, perspicácia, apuro e, sobretudo, inteligência. No final do século 19 os fundadores do gênero, Francisco Otaviano, José de Alencar e Machado de Assis. Nos primeiros anos do século 20, os cronistas da belle époque: Olavo Bilac, João do Rio, Lima Barreto e Orestes Barbosa. E, até 1945, os chamados modernistas: Mario e Oswald de Andrade, António de Alcantara Machado, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meirelles.
Há outros, claro. Como no futebol, as seleções de literatura sempre deixam lacunas. A crônica, entretanto, é nossa, vamos aproveitá-la melhor.
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