Neste 2 de novembro, Dia de Finados, decidimos publicar esta reportagem do jornalista Gustavo Werneck, do jornal Estado de Minas, que esteve recentemente em Paris e aproveitou para visitar um dos cemitérios mais famosos do mundo, o Père-Lachaise, onde estão enterrados tantos dos nossos ídolos e vultos da história.
O jornalista enumera, entre as pessoas famosas sepultadas no Père-Lachaise, os escritores Oscar Wilde e Honoré de Balzac, o compositor Frederic Chopin, o dramaturgo Molière, o propagador da doutrina espírita, Allan Kardec, a cantora lírica Maria Callas, o ator Yves Montand, o criador da homeopatia, médico Samuel Hahnemann, o casal Abelardo e Heloísa, e muitos outros.
O cemitério é a maior área verde fechada, com muros, de Paris. Nos 43 hectares, há 4 mil árvores de 80 espécies diferentes. No total, são 69 mil túmulos, “muitos deles verdadeiras obras de arte.”
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Logo ao desembarcar no Aeroporto de Orly, em Paris, procedente de Lisboa, peguei uma revista, dessas de distribuição gratuita, que me chamou atenção pela capa: nela, o passarinho colorido se aninha no anjo de pedra. Passei os olhos rapidamente e vi que a escultura pertencia ao bicentenário Cemitério do Père-Lachaise, o maior da capital francesa e um dos mais famosos do mundo, com grande número de vultos históricos e celebridades sepultados. Cultura, arte, preservação ambiental e respeito pelo ser humano se fundem em bronze, ferro, saudade, homenagens.
Sempre tive vontade de conhecer o Père-Lachaise, caminhar pelas alamedas, reverenciar a memória de escritores, a exemplo de Marcel Proust (1871-1922), artistas, entre eles a cantora Édith Piaf (1915-1963), vítimas da primeira (1914-1918) e da segunda (1939-1945) guerras mundiais e outras pessoas que eu fosse encontrando no mapa de localização dos jazigos. A revista era, portanto, o chamado, e, num dia de chuva, entrei no metrô, desci três estações depois do hotel onde estava hospedado e cheguei aos portões do cemitério.
Alguns podem pensar: “Puxa! Vai a Paris para ver cemitério?” Sim, respondo, da mesma forma que tantos estavam lá naquela manhã, como milhares fazem em visita guiada ao Bonfim, em Belo Horizonte, ao La Recoleta, em Buenos Aires, ao São João Batista, no Rio de Janeiro, e aos demais, mundo afora, que, amanhã (2), Dia de Finados, estarão cheios para lembrar os que partiram.
Sozinho, em silêncio e sem pressa, comecei a percorrer as quadras do campo santo. Antes, vi, a meu lado, também consultando o mapa de identificação das tumbas, um grupo de americanos muito jovens e entusiasmados para conhecer a sepultura de Jim Morrison (1943-1971), vocalista da banda de rock The Doors. Um adolescente, vestido de preto, carregava flores. Enquanto isso, um casal bem idoso passava direto e reto levando um singelo buquê para alguém querido.
MEIO PERDIDO Trazendo na cabeça partes da obra “Em busca do tempo perdido”, de Proust, que lera meses antes, fui logo à procura do túmulo do escritor francês. Mesmo sabendo o número da quadra e do jazigo, contei com a boa vontade de uma funcionária para me levar ao lugar exato. Pensei em encontrar um monumento grandioso, com muitas esculturas e diferentes tipos de material, mas nada disso.
É um túmulo de granito preto, sem rebuscamentos, com o nome Marcel em caixa baixa e Proust, em alta. Naquele dia, o jarro do meio, maior, estava com muitas flores, incluindo rosas. Mentalmente, falei “para Proust” o quanto admirava sua obra literária, em especial os sete livros de “Em busca…” Agradeci pela leitura.
Saindo dali, resolvi esquecer o mapa e me perder um pouco pelo Père-Lachaise. Se enxergava um grupo de turistas diante de um túmulo monumental, parava, ouvia as explicações do guia, e depois mudava de rota. O cemitério é gigantesco – são 43 hectares com 69 mil sepulturas –, e abriga várias capelas com ornamentos que são obras de arte. Por acaso, contemplei um passarinho recriando a mesma cena da capa da revista, sobre um anjo no qual o musgo entranhava e as plantas abraçavam as asas de pedra. Aos poucos, fui sendo tomado por uma paz que prolongou minha visita.
No cemitério, há 4 mil árvores de 80 espécies diferentes, configurando o maior espaço verde fechado de Paris. De pássaros, são 60 espécies. Sobre as plantas e animais, a direção do cemitério põe em prática o manejo para preservação ambiental e pede que os visitantes respeitem os pequenos animais e preservem a flora espontânea e frágil – então, cuidado onde você pisa neste espaço também de biodiversidade.
REVERÊNCIA Confesso que demorei para encontrar o túmulo de Édith Piaf, pois fui me perdendo e parei em local bem distante. Uma jovem tentou me ensinar o trajeto, saiu de cena, e, ao ver que tinha se enganado, acenou de longe e apontou com o dedo a trilha certa. Balbuciei “merci” (obrigado) e ela pareceu entender. Flores, umas secas, outras frescas, retrato, pequenas lembranças, uma lanterna e uma bandeira da França, no canteiro, perto do nome “Famille Gassion – Piaf”, compõem o túmulo da grande dama da canção francesa. Desta vez, agradeci pelas canções.
Lembrando de músicas espetaculares e marcantes de uma época, como “Hymne a l’amour”, “La vie en rose”, “Non, je ne regrette rien”, fui caminhando até que meu coração apertou diante do monumento-homenagem aos 228 no acidente da Air France, em 1º de junho de 2009 – o avião seguia do Rio de Janeiro para Paris quando caiu no Oceano Atlântico. Passageiros e tripulantes do voo 447 estão representados por pássaros, num belo painel de vidro que se integra à natureza. Não muito longe, foram colocadas flores para o ator Gaspard Ulliel (1984-2022), morto após sofrer um acidente de esqui.
Ao longo da caminhada, contemplei os monumentos às vítimas do nazismo, com esculturas de pessoas esquálidas empurrando cadáveres, em alusão aos campos de concentração, e aos heróis da Resistência, combatentes na Primeira Guerra e na Segunda Guerra e mortos em outras momentos da história da França. Nesse momento, a palavra coragem pulsava mais forte e tomava conta do pensamento.
A cada momento, você parece estar dentro de um livro de História com H maiúsculo – talvez esteja aí o grande convite à visitação –, pois personagens da literatura, medicina, espiritualidade, política e de outros setores podem receber sua reverência, orações, homenagens. Não há nada de mórbido, mas simplesmente de reverência à memória.
A lista é grande. Entre as pessoas famosas sepultadas no Père-Lachaise estão os escritores Oscar Wilde e Honoré de Balzac, o compositor Frederic Chopin, o dramaturgo Molière, o propagador da doutrina espírita, Allan Kardec, a cantora lírica Maria Callas, o ator Yves Montand, o criador da homeopatia, médico Samuel Hahnemann, o casal Abelardo e Heloísa, e muitos outros.
BACALHAU De repente, olhei o relógio e vi que passava da hora de ir embora. Apertei o passo, atravessei a rua e dei de cara com um restaurante português, desses bem familiares. Pedi uma saborosa bacalhoada, entrei no metrô e, 20 minutos depois, já estava no quarto do hotel.
Em dias nublados ou com muito sol, vale a pena o passeio ao Père-Lachaise, primeiro cemitério laico de Paris com suas características de parque público e museu a céu aberto – recebe, por ano, cerca de 3 milhões de turistas. Bem na frente, tem estação de metrô, e o visitante não precisa pagar para entrar e visitar as alamedas com suas quadras e sepulturas. Construído, em 1804, por ordem do imperador Napoleão Bonaparte, o Père-Lachaise tem esse nome em homenagem ao jesuíta François de Lachaise, com quem Luiz XIV, o Rei Sol, costumava se confessar. O terreno pertenceu aos jesuítas até 1762.
Parque, museu e natureza
– O Cemitério do Père-Lachaise pode ser visitado também como um parque ou museu a céu aberto. Claro que mantendo o necessário silêncio e o respeito aos demais visitantes.
– É a maior área verde fechada, com muros, de Paris. Nos 43 hectares, há 4 mil árvores de 80 espécies diferentes – uma árvore para cada grupo de 17 sepulturas.
– O canto dos pássaros dá mais beleza ao ambiente. Há 60 espécies diferentes deles.
– Raposas habitam o cemitério de Paris, mas é bom saber que o animal tem hábitos noturnos, e não dá as caras sob o sol.
– No total, são 69 mil túmulos, muitos deles verdadeiras obras de arte e mais bonitos ainda com o musgo grudado à pedra.
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