
Márcia Lage
50emais
Caminhavam agarradinhos, amorosos e cúmplices, o velho e seu netinho de uns oito anos de idade. Jogavam água um no outro, cochichavam e riam, indo e vindo no raso da maré.
Ao vê-los me dei conta de que perdi o convívio com os jovens da minha família. Sou muito amiga dos meus sobrinhos que estão na faixa dos quarenta, e dos sobrinhos-netos ainda crianças. Entre eles há uma geração que me ignora soberbamente.
O mesmo ocorre com filhos dos meu amigos na mesma faixa etária. Quando crianças, frequentaram minha casa, fui a seus aniversários, compartilhamos paixões por gatos, por flores, por cachoeiras. Eu os levava ao cinema, dava livros de presente, chamava a atenção deles para faltas de educação que os pais aceitavam sem corrigir.
Foi uma geração muito mimada e protegida. Hoje, estão na Faculdade ou iniciando suas carreiras. Uns, indo longe, com trabalhos em corporações internacionais, ganhando em dólar. Porém, não se preocupam em ter casa (sonho da minha geração), nem em planos de saúde ou de previdência, carros de luxo, viagens. Guardam um pouco do dinheiro que ganham para a velhice distante? Ignoro. Não dão confiança para nós, os velhos.
Monossilábicos nas respostas, demonstram fastio quando perguntados sobre suas vidas. Se afastam acintosamente, isolam-se num canto e lá permanecem entre eles, como se fôssemos Neandertais incapazes de estabelecer uma conversação compatível com a linguagem que eles dominam.
Se eu os convidasse para uma longa viagem comigo, como fiz com os mais velhos, aceitariam? Suponho que não. São diferentes também entre eles. Não trouxeram para a idade atual o companheirismo entre irmãos, primos ou amigos que tiveram na infância.
Constato no meio deles uma atitude comum: se juntam ou se casam mais cedo do que a geração imediatamente anterior à deles.
Desejam ter filhos e constituir família com muito mais idealismo do que a minha geração, que pensava na carreira, na independência financeira e na ruptura com os compromissos socioculturais antes de se meter num relacionamento estável, como gostam de postar nas redes sociais.
Para tentar abrir um diálogo com esses jovens, criei um grupo com meus sobrinhos de 16 a 28 anos, e inclui alguns filhos dos meus amigos. Uma dúzia de cabecinhas. Dois já vivendo com seus namorados, uma oficialmente casada, duas trabalhando fora do Brasil, dois adolescentes concluindo o segundo grau, alguns iniciando carreira ou terminando a Faculdade.
A pergunta era: o que você deseja da vida? Qual a sua prioridade? Dos 12, só quatro responderam. Um me disse que quer servir ao propósito divino, antes de mais nada. E constituir uma família próspera que sirva ao primeiro propósito. Tentei aprofundar o assunto, mas não rolou.
A adolescente mais nova respondeu que sua prioridade máxima é formar uma familia. Um universitário disse que quer ser professor de crianças, sem desejo de seguir carreira acadêmica. Outra que já está casada pediu tempo para refletir e concluiu que o importante é se sentir bem com ela mesma e com suas escolhas e não se deixar paralisar.
Por fim, uma que tem carreira internacional invejável explicou que sua prioridade é o autoconhecimento e a fidelidade aos seus desejos. Mudei a pergunta para: do que vocês têm medo? Dois que também já estão casados (com seus primeiros namorados, é bom destacar) responderam que é a instabilidade/insegurança financeira e não conseguir se realizar naquilo que gostam.
Todas as respostas foram lacônicas. Continuei no vácuo. Os filhos dos amigos não quiseram participar. Acredito que seus pais nem tiveram a ousadia de passar a eles as perguntas que eu encaminhei. Uma mãe desabafou:
– São preguiçosos, alienados, sem empatia. A tribo da minha filha é viciada em computador e só falam de jogos. Ela já tem 30 anos e mora comigo. Mas não conversa nada. Chega do trabalho e vai jogar. Uma coisa louca!!! Não sei mais o que fazer para encaminhá-la para uma vida sem mim.
Ela admite que foi frouxa na educação da filha e deixou-se manipular. Agora vivem a codependência financeira e emocional e não sabem como cortar o vínculo.
Uma série da Netflix chamada Adolescência se dedica a esmiuçar melhor esse buraco geracional criado a partir dos anos 2000 e ampliado pelas redes sociais. Está dando o que pensar!
Quanto aos avós, que curtam seus netos enquanto eles são crianças. Não se pode prever como se comportarão quando entrarem na adolescência, daqui a uma década.
“É totalmente imprevisível. E pode ser assustador” – resume minha amiga.
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