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Esta crônica do jornalista e escritor Joaquim Ferreira dos Santos, publicada em O Globo, retrata o que as pessoas mais velhas vivem a todo momento.
Etarismo é o nome que se dá ao preconceito de idade. A pessoa envelhece e é tratada, somente porque envelheceu, como se não soubesse nada, como se fosse um ser de segunda categoria.
Há dois dias, quando peguei o celular para pagar uma encomenda que um rapaz bem jovem veio me trazer, imediatamente, ele começou a me ensinar como se passa um pix. Delicadamente, dei-lhe um chega para lá.
Joaquim, elegante, ao se deparar com o preconceito, apenas sorriu. E saiu flanando.
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O rapaz era o que o senso comum chama de simpaticíssimo. Jeitão de boa praça, o jogo de corpo típico do carioca ixperto. Tinha o sorriso alvo e franco de quem estava sendo sinceramente agradável, tanto que repetiria várias vezes o que considerava um elogio. Nenhuma sombra daquela manjada jogada de vendedor (era o caso dele) exaltando o freguês (o meu papel), de olho apenas nos 10% da comissão. Nada disso. Ele parecia me ter em alta conta de sagacidade.
“Pra sua idade isso é um caso raro”, foi o seu primeiro “elogio”.
A música brasileira é a minha grande explicação. Devo-lhe todos os conhecimentos mais queridos, a revelação de mistérios fundamentais e a bússola de encantamento para seguir em frente com as sabedorias da vida. Ela traduz o Brasil, por exemplo, em personagens inesquecíveis, tipos da crônica de costumes que seus compositores envolvem em melodias geniais – e foi aí, ao primeiro “elogio” do vendedor, que imediatamente começou a rodar na vitrola que trago embutida no peito os acordes iniciais de “O velho/ na porta da Colombo/ é um assombro”.
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Quase um século depois daquele carnaval, ali estava eu, sassaricando do mesmo jeito que o idoso da marchinha, só que agora num cenário atualizado pelo tempo. Não estava mais à porta da confeitaria, mas no balcão de uma loja de informática.
O vendedor fez o elogio depois de eu realizar um pagamento usando a aproximação do cartão de crédito embutido no celular.
“Uau!” – exclamou estupefato.
Ele achou aquela movimentação um ato de elevada excelência informática. Era uma performance típica de alguém que deveria estar no Vale do Silício, ensinando tecnologia a Bill Gates, e não comprando capa de telefone enquanto trotava ao léu, cada um com uma casquinha de sorvete, na companhia de uma amiga.
A propósito. Admirado com a agilidade digital, mas, talvez, desconfiado de algum problema de audição no velhinho da Colombo que se lhe apresentava à frente, em versão 2023, uma segunda fase dos elogios do vendedor passou a ser feita em direção à essa amiga, aos ouvidos dela.
“Parabéns, porque as pessoas na idade dele se atrapalham com essas coisas.”
O etarismo é um preconceito grave, deprecia quem teve a sorte de, na contramão dos vírus, das bicicletas nas calçadas, sobreviver aos percalços de tamanha e furibunda existência. Haveria temperamentos mais sensíveis que se aproveitariam da cena para discursar a necessidade de mais respeito. Não fi-lo. Levantei o braço imaginário da vitrola que me ventila os pulmões, virei o disco de lado, e imediatamente passou a tocar na caixa de som do cerebelo direito aquele samba canção do “Esses moços/ pobres moços”.
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Lupicínio Rodrigues, o autor, é também um extraordinário intérprete. Canta baixinho, elegante. Diante das desditas da vida, das decepções que assombram o coração e das palavras feias que os homens mais velhos ouvem dos mais jovens nas lojinhas de informática do bairro, ele me ensinou a manter a calma feliz dos que tiveram a sorte de aproveitar bem a passagem do tempo.
“Ah se soubessem o que eu sei”, continua a letra da música – e nos despedimos lupicianamente elegantes. Sorrindo, agradecendo os elogios, apesar da ignorância deles, eu e minha amiga saímos para flanar os últimos flocos do sorvete sob o sol quente do inverno carioca.
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