Déa Januzzi –
Nunca imaginei para você, filho, um pai tradicional demais, que acha que educar é coisa de mãe. Um desses pais de terno e gravata, que nos finais de semana vestem o chinelo e o pijama e vão assistir televisão, enquanto fingem ler os jornais, pois não querem saber de conversa. Estão sempre cansados e gostam de dar ordens. Acham que a palavra deles é lei.
Nunca imaginei para você, filho, um pai muito moderno, com piercing na língua, roupas fashion, cabelos cortados na moda, mas que se esqueceu de crescer – e de envelhecer–, que quer ficar jovem para sempre e fala gíria no meio dos seus amigos e quer ir às festas junto, que não tem senso crítico nem de ridículo.
Nunca imaginei para você, filho, um pai que trabalha tanto que não tem tempo para nada. Nem para oferecer o ombro. Um pai escravizado pelo relógio, com as horas contadas, com o passo apressado, com a roupa toda arrumada em vincos de tergal, que sempre pega o mesmo ônibus, na mesma hora e volta para casa com o guarda-chuva na mão, mesmo em dia de sol.
Não, eu nunca imaginei para você, filho, um pai executivo, bem sucedido que costuma mandar os filhos para o exterior, que dá carro zero, paga todas as contas. Mas que só não dá colo e afeto, que não aprendeu a oferecer a mão quando o filho cai.
Não, eu nunca sonhei para você um pai alternativo demais, que não come carne, faz meditação, não bebe, não tem nenhum vício. Um pai tão zen que nem percebe o sofrimento do filho. Um pai cujos olhos estão vendados para o próprio filho, que não enxerga nada mais do que a natureza, as pedras da cachoeira. Um pai que não consegue pegar as ondas do afeto.
Nunca imaginei para você, filho, um pai atleta, que corre de um lado para outro, mas que não tem pernas para te alcançar. Um pai com o corpo malhado, que corre quilômetros, mas não chega nem perto do coração do filho.
Nunca imaginei para você, filho, um pai pecador, que tem que descer ao inferno, mergulhar nas trevas, para se sentir mais humano. Um pai que nem sabe o que é ser pai, que insiste em ser filho a vida toda, que vive procurando mães pelas esquinas da vida.
Nunca imaginei para você, filho, um pai ausente, que só se lembra dele mesmo, de olhar no espelho da própria existência. Desses pais que se separam da mãe, mas também do filho. Um desses pais que gostam de desfilar com os filhos só no final de semana, quando não têm nenhum outro compromisso. Nunca imaginei para você um pai que tem de pedir permissão para visitar o filho, que não tem pulso para comandar a própria vida, apesar da infelicidade estampada no rosto.
Nunca quis para você um pai que rejeita os filhos especiais, diferentes, que culpa a mãe porque não saíram direitinho na fôrma do DNA. Um pai que não entende que seres humanos são diferentes uns dos outros, que muitos têm defeitos e, portanto, são joias raras.
Nunca quis para você, filho, um pai com intenções políticas, de ser vereador, deputado, prefeito, mas um pai que desfraldasse a bandeira da dignidade, no palanque de ternura. Nunca quis para você um pai que apenas sabe discursar na tribuna, mas não consegue orquestrar uma palavra na sala de jantar.
Nunca desejei que você fosse filho do divórcio, que ficasse dividido, no meio de uma imensa guerra sem fim.
Nunca quis para você, filho, um pai ditador, que arranhasse os seus sonhos, torturasse os seus desejos e que baixasse o AI-5 na sua vida. Nunca quis um pai pop, que vive no palco soltando a voz para as multidões, mas não ouve a música sublime de ser seu pai.
Para você, filho, eu queria simplesmente um pai, que te acolhesse nas suas dúvidas, anseios, nas suas aflições. Um pai que amparasse os seus medos, fracassos e desencontros, mas que tivesse orgulho de suas conquistas. Um pai que te abrigasse, oferecesse sombra e água no deserto dos seus dias, que te estendesse a mão quando você tropeçasse. Um pai que te defendesse dos próprios fantasmas e da dor de estar crescendo sozinho. Sem um exemplo, um modelo do que é ser pai. Do que é ser luz quando há trevas.