Ingo Ostrovsky
50emais
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Imagine que estamos em 2041 e a cantora Marília Mendonça acaba de ser eleita para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.
Nunca saberemos se isso é apenas fantasia deste cronista de domingo ou se as novas avenidas abertas pelas canções da pranteada sertaneja poderiam terminar levando-á ao olimpo onde Gilberto Gil chegou esta semana.
Uma de minhas primeiras lembranças de Gil é “se arrastando que nem cobra pelo chão” a imagem que ele escolheu para nos apresentar a procissão. “As meninas que nela vão passando acreditam nas coisas lá do céu”…
Nos versos de Marília Mendonça as meninas souberam se livrar das coisas do inferno. Tem opinião própria. Não toleram fraquezas. São soberbas. Gostam de ter um homem ao lado. Entretanto, a idéia de ficar um passo atrás do macho ficou obsoleta, eu diria até repulsiva.
Um bom pedaço de Brasil se rendeu a Marília Mendonça depois que ela morreu. Um Brasil que, por diferentes motivos, não conhecia o poder, a potência, o talento e a peculiar visão de mundo desta rainha. Rainha do Feminejo, Rainha da Sofrência, uma garota que nasceu para ser coroada até se transformar, tragicamente, na Rainha da Ausência.
Para muita gente nada fará mais falta do que Marília Mendonça.
Será que uma boa parte do Brasil esta semana se rendeu a Gilberto Gil? Esse baiano está na minha vida faz tantos anos que sou forçado a acreditar que nem em Brasília pode existir alguém que não o conhece. Algumas semanas atrás nos deliciamos com a reprise das imagens do então ministro Gil, na ONU, avisando o mundo que “toda menina baiana tem um jeito que Deus dá”.
Poderia Marília Mendonça ter chegado a ministra da Cultura? Qual dos versos dela sobre a consciência das mulheres poderia inspirar imortais a votar nela para ocupar uma das 40 cadeiras da Academia?
Na mesma toada me pergunto qual dos versos ou frases de Gil poderia justificar o voto dos imortais do momento em Gegê?
A eleição de Gil à ABL acontece justo quando ele integra filhos e netos à sua carreira. Não se trata apenas da trajetória de um inspirado poeta. É como se fosse a coroação de um projeto de vida. Um homem fazendo arte com a família.
Marília Mendonça partiu antes de ter essa oportunidade. Eu posso fantasiar quanto eu quiser, não será mais do que uma fantasia. O que será que haverá na cabeça das pessoas dentro de 20 anos?
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