
Márcia Lage
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Alana é da geração de mulheres que quebrou o tabu da virgindade e pôs em marcha a revolução sexual. Aprendeu sozinha as delícias e as dores do prazer.
Numa época em que as pílulas anticoncepcionais ainda estavam sendo criadas, as camisinhas não faziam parte do amor feito às escondidas e toda informação sobre o corpo feminino era negado, ela engravidou.
Desesperada, fez um aborto numa das várias clinicas clandestinas que existiam e ainda existem para quem não tem certeza, não tem coragem ou é muito criança ainda para iniciar a longa e permanente carreira de mãe.
Continuava na adolescência quando engravidou novamente e, daquela vez, optou por levar a termo a gravidez. Teve duas filhas na sombra da dúvida se tinha vocação para ser mãe ou culpa demais por ter feito aborto. Hoje, aos 70 anos, com neto e bisneto, ainda acha que a maternidade foi seu maior desafio.

Formada no catolicismo e pós-graduada no espiritismo, Alana é daquelas pessoas que não querem levar para outra vida os carmas acumulados. Desde jovem, trabalhando duro para criar as filhas, decidiu que acolheria mulheres nas aflições parecidas com a sua: a de ter que escolher entre a cruz e a espada na hora em que descobrem que ficaram grávidas. Se abortam, sentem culpa. Se têm o filho sozinhas (a maioria dos casos) perdem a liberdade e têm que lutar feito leoas para criá-lo.
Costureira habilidosa, Alana começou fazendo cueiros (aquelas mantas de flanela usadas para envolver recém-nascidos) e distribuí-los aleatoriamente a jovens grávidas que encontrava nas ruas. Com o tempo, encontrou no Centro Espírita que frequenta outras mulheres produzindo peças diferentes para enxoval de bebê, e a tarefa que se impôs ganhou organização, método de produção e de distribuição.
A pandemia afastou o grupo, mas Alana buscou novas parcerias. Sozinha, não tem fôlego nem dinheiro para atender a tanta demanda. Eventualmente, ela faz uma campanha para arrecadar recursos e comprar as flanelas para os cueiros que costura e outras peças que compõem o enxoval.
São muitos ítens: uma toalha com capuz, um cobertor/manta, quatro cueiros, três pagãozinhos, três meias ou um sapatinho e duas meias, um sabonete em barra, um álcool gel 70%, dois macacões curtos, dois macacões compridos, um pacote com cinco fraldas de tecido. E muito amor envolvido na busca dessas grávidas desamparadas.

Em quarenta anos de penitência solidária, Alana não se preocupou em registrar quantas mulheres já ajudou. Contabiliza, apenas, a gratidão delas por receber o enxoval e o seu sentimento de dever cumprido a cada remessa entregue.
Até morrer, Alana pretende cumprir sua promessa, que é tentar amenizar o susto de ser mãe nas mulheres que engravidam sem querer. “Não cabe a mim ensinar ou julgar. Apenas estender a elas um pacote de roupinhas para o recém-nascido e dizer, em silêncio: Sei o que você está sentindo. E ajudo como posso”.
Quem quiser contribuir com esse lindo trabalho pode enviar um Pix (CPF: 144..476.731-34) ou entrar em contato com Alana pelo WhatsApp +55 61 9984-5874.
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