Márcia Lage
50emais
Plantei as quatro mudas de Jacarandá-da-bahia (Caviúna), que comprei no Instituto Terra em julho do ano passado, nesse chuvoso início de ano, na fazenda que refloresto em Valença, no Rio de Janeiro. Elas nem murcharam. Prometem crescer e dar flores no alto do pasto que, daqui a 10 anos, será uma massa verde, como já foi no passado.
Com essas quatro mudas e mais 500 de outras espécies nativas da Mata Atlântica, cumpri a tarefa de replantar 13 alqueires de terra (260 mil m2) de uma antiga propriedade rural, desmatada e replantada com capim, para criação de gado leiteiro.
Depois de 60 anos de pisoteio dos animais, a terra já não prestava nem para pasto. Parecia um concreto, de tão dura. A última herdeira da fazenda, Cristina Eastwood, vive na Inglaterra e queria investir na recomposição da floresta, de forma a dar a sua contribuição para a reversão da crise climática.
Somos amigas de longa data. Ela sonha, eu executo. Começamos o trabalho na pandemia, com o plantio experimental de 250 nativas, num morro íngreme. Com a ajuda do caseiro Alair, que fazia as covas e subia com as mudas nas costas, fechamos a primeira área. A mais difícil. Plantamos em outubro de 2020 e demorou muito a chover. Mesmo assim as perdas foram menores que 30 por cento.
O segredo foi o uso de um adubo orgânico em forma de gel no interior das covas, o que segurou a umidade da terra até a chegada de janeiro e, com ele, as boas águas plantadeiras. Tivemos uma batalha inicial com formigas, que foram controladas com um composto orgânico também. E deixamos a natureza fazer o resto.
Hoje, já se vê as pequenas árvores de longe. Ao mesmo tempo, a mata original começa a se recompor no cume do morro, de onde desce para se encontrar com as mudas plantadas. Os tucanos voltaram a habitar a pequena mata. Contei uma família de 12 voando de lá para a proximidade da casa, onde simultaneamente introduzimos espécies frutíferas às já existentes. Cedinho, há uma festa de maritacas, sabiás, trincas-ferro, sanhaços, tiês e saíras fazendo música de fundo ao nosso café da manhã.
Anualmente plantamos 500 mudas, incluindo uma agrofloresta e um bananeiral, que já produzem legumes, verduras, frutas, açai e palmito pupunha para o caseiro. A proposta era comercializar o excedente, mas para isso era necessário mais empregados e não há recursos para tal. Então, fica lá para os macacos, os gambás, os lobos e os tatus, que se multiplicaram exponencialmente.
O plantio deste ano foi o último. Não há mais espaço para o reflorestamento e é preciso esperar a natureza se reorganizar com o trabalho dela de trazer as espécies primárias, alimentar o solo, fechar os espaços em torno das nativas reintroduzidas. No total, plantamos cerca de 3.500 mudas, optando, no fechamento do projeto, por árvores de madeira de lei em franca extinção: Jacarandá, Jequitibá, Pau-Brasil, Peroba, Cedro.
As pessoas se admiram de duas mulheres, sozinhas, terem conseguido esse feito, sem nenhum patrocínio oficial. Cristina, em Londres, obtém algum dinheirinho entre amigos, ajuda que mal dá para a aquisição das mudas.
Eu doei minha mão de obra e minha expertise na área de paisagismo e reflorestamento.
Alair, que no início esperneou com a retirada do gado magro, abraçou a causa com dedicação, se sacrificando no esforço de cavar 50 covas/dia a cada empreitada, e subir morro acima carregando as plantinhas.
Quando nos pedem a receita, respondemos: é só começar. E persistir. O futuro, agora, é a criação de um viveiro de mudas de Jacarandá-da-bahia, a espécie mais urgente de ser salva, e a venda de crédito de carbono, quando a mata se recompor totalmente.
O caseiro, que já tem 65 anos, lamenta o tempo todo que não vai ver a floresta em pé.
Já Cristina, com 77, e eu, que vou fazer 70, continuamos fazendo planos como se fôssemos imortais.
Se não alcançarmos a floresta em pé, valeu o plantio da ideia, que começa a pegar entre os fazendeiros locais.
Fizemos nossa parte. Na fazenda, os termômetros marcam, sempre, 10 graus a menos da média da cidade, e quando o calor derrete asfalto, nem percebemos. As noites são frias e pedem cobertas. E as águas dos dois riachos já dobraram de volume.
Essa é a recompensa!
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