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Eu considero que envelheci, me tornei velha, aos 70 anos. Até então, eu não tinha qualquer problema de saúde. Não tomava um medicamento sequer. Nem mesmo para controlar a pressão.
No dia exato em que completei 70, deitei no sofá para ver um programa na televisão e adormeci. Acordei uma hora mais tarde com uma dor insuportável na perna direita.
Daí para cá,- estou com 73 – como um aparelho cujas peças vão se desgastando, cada hora surge um incômodo numa parte do corpo: na coluna lombar, no ombro, na sola do pé, na panturrilha, do lado esquerdo do abdomen, perto do umbigo…
Então, para mim, embora não me sinta exatamente velha, o envelhecimento chegou quando me tornei septugenária. E para você, quando foi?
Novo estudo mostra que a percepção sobre quando começa o envelhecimento mudou nas últimas décadas. É desse estudo que trata este artigo de Fabiana Cambricoli para o Estadão.
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“Com que idade você descreveria alguém como velho?” Foi com essa pergunta que cientistas alemães e americanos investigaram de que forma pessoas nascidas com décadas de diferença enxergavam o envelhecimento. Em um novo estudo publicado na última semana, os pesquisadores mostraram que a idade percebida como a de início da velhice vem aumentando ao longo das gerações.
Na pesquisa, publicada na revista científica Psychology and Aging, da Associação Americana de Psicologia, os cientistas analisaram dados de 14 mil alemães nascidos entre 1911 e 1974 e que foram acompanhados por cerca de 25 anos (de 1996 a 2021). Nesse período, eles tiveram que responder à pergunta do início desse texto em mais de oito momentos diferentes das suas vidas.
Ao examinarem as respostas, os pesquisadores descobriram que os participantes nascidos em décadas mais recentes achavam que a velhice começava mais tarde. Quando os voluntários nascidos em 1911 tinham 65 anos e lhes foi feita a pergunta, eles afirmaram que alguém poderia ser considerado velho a partir dos 71 anos. Já quando os nascidos em 1956 ouviram o mesmo questionamento, também aos 65 anos, eles responderam que era aos 74 anos que começava a velhice.
Para Markus Wettstein, pesquisador da Universidade Humboldt, em Berlim, e autor principal do estudo, o aumento da expectativa de vida, com o avanço da Medicina e de condições sanitárias, pode ter contribuído para essa mudança de percepção. “Alguns aspectos da saúde melhoraram ao longo do tempo, de modo que pessoas de uma certa idade que era considerada velha no passado pode não ser mais considerada velha hoje em dia”, disse o cientista, em nota divulgada pela Associação Americana de Psicologia.
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O estudo também demonstrou que a percepção de um mesmo indivíduo muda ao longo do tempo. De forma geral, quanto mais a pessoa envelhece, mais ela empurra para cima a idade que julga definir o início da velhice.
Aos 64 anos, por exemplo, os participantes diziam, em média, que era aos 74,7 anos que a velhice começava. Quando eles então alcançavam os 74 anos, passavam a considerar 76,8 anos como marco do envelhecimento. Em média, a idade percebida como velhice aumentou cerca de um ano para cada quatro a cinco anos de envelhecimento real.
Os pesquisadores também descobriram diferenças nessa percepção de acordo com gênero e condições de saúde. As mulheres acreditam que a velhice começa dois anos mais tarde do que os homens. Os participantes que tinham problemas de saúde ou relatavam solidão consideravam que a velhice começava mais precocemente do que aqueles que tinham melhor estado de saúde e mais relações sociais.
Para Wettstein, a mudança na percepção ao longo das décadas influencia a postura dos indivíduos diante do próprio envelhecimento, podendo ter implicações positivas ou negativas. “Não está claro até que ponto a tendência de adiar a idade da velhice reflete uma tendência para visões mais positivas sobre pessoas mais velhas e envelhecimento, ou o oposto – talvez o início da velhice seja adiado porque as pessoas consideram ser este um estado indesejável”, disse o autor.
O médico brasileiro Omar Jaluul, geriatra do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e que não esteve envolvido na pesquisa, concorda que a percepção de que a velhice começa mais tarde do que acreditava-se antigamente pode ter consequências boas e ruins no processo de envelhecimento.
Se por um lado, isso demonstra que indivíduos antes considerados mais velhos hoje se enxergam com mais vitalidade e possibilidades; por outro, essa percepção pode dificultar que os idosos aceitem algumas limitações inerentes ao envelhecimento.
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“Antigamente, muita gente se aposentava com 50 anos e, hoje, muitas vezes aos 50 anos a pessoa está no auge da carreira. Mas existem mudanças com o passar da idade que não temos como escapar, o tempo existe. Se a gente tiver uma percepção real do nosso envelhecimento, a chance de a gente se tratar, se cuidar e envelhecer bem é maior”, diz o médico.
O especialista refere-se, por exemplo, a situações em que idosos, que geralmente passam pelo processo de perda de massa muscular, insistem em fazer atividades que podem colocá-los em risco de um acidente.
“Ás vezes é uma coisa que a pessoa sempre fez: subir numa árvore, num banquinho, mas a pessoa tem que entender que, se ela cair, as consequências podem ser muito mais graves do que para um indivíduo jovem. Então não se trata de não fazer, mas de fazer com mais cuidado, tendo consciência desses riscos”, destaca.
Por outro lado, o especialista vê como positivo que as pessoas enxerguem idades mais avançadas sem estigma. “Se você tem vontade e condições de fazer algo e é bom para você, tem que fazer independentemente da idade, sem preconceito de que não pode estar em alguns espaços. Pelo contrário, conviver com outras gerações é muito importante”, diz o geriatra.
Ele destaca que, hoje, com muitas pessoas passando dos 80 ou 90 anos, é sempre importante lembrar que, quando atingimos a terceira idade, muitos de nós ainda terá 20 ou 30 anos pela frente. “Hoje a gente passa muito tempo sendo idoso, então viver ou não viver da forma que queremos é uma escolha”, diz.
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O geriatra ressalta que, independentemente da idade em que a maioria das pessoas considera o início da velhice, não se deve generalizar a população idosa, porque há muitas diferenças na experiência e condição de cada um. “Posso ter um indivíduo de 90 anos acamado ou maratonista. É muito heterogêneo. Não temos que colocar todos no mesmo balaio.”