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Eu assisti “Eu não me entrego, não!”, com o veterano ator Othon Bastos. E, claro, vi o filme Ainda estou Aqui. com Fernanda Torres, Fernanda Montenegro e Selton Mello. Dois momentos de grandeza das artes cênicas brasileiras, que têm atraído de volta o público aos teatros e cinemas.
O filme está em cartaz em muitos cinemas. Mas a peça, sempre com casa cheia, na Gávea, no Rio, encerra a temporada no final de fevereiro. Se você ainda não viu, vá. A atuação do nonagenário ator é impressionante.
Neste artigo, o autor sustenta que o filme e a peça são obras irmãs. E explica: “Não só porque falam de resistência, mas porque são resultado de muita perseverança. Não é fácil produzir cultura no Brasil. Também não é fácil trazer o público de volta;”
Leia o que o jornalista Léo Aversa escreveu em sua coluna em O Globo:
Se você é um dos muitos que ficaram encantados com as Fernandas em “Ainda estou aqui” ou um dos poucos que ainda não viram Othon Bastos em “Eu não me entrego, não!”, corra: a peça só está em cartaz até o fim de fevereiro. Vale muito a pena.
O filme e a peça são obras irmãs. Não só porque falam de resistência, mas porque são resultado de muita perseverança: não é fácil produzir cultura no Brasil. Também não é fácil trazer o público de volta: depois de anos de burrice como pretinho básico, sobrou um ranço que é difícil de limpar.
As duas obras ajudam a desinfetar o ambiente.
Eunice Paiva, tema do filme, lutou contra a ditadura que sequestrou e matou o seu marido. Resistiu. Durante duas horas a história dela nos lembra o terror do autoritarismo, o valor da persistência.
“Eu não me entrego, não!” segue a mesma toada, mas é o próprio Othon quem dá a letra. Aos 91 ele entrega a história ao público. Do Corisco em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de 1964, até hoje, passando por vários personagens que conhecemos de memória. Uma longa estrada. É um momento arrebatador de comunhão com a plateia. Assim como no filme, as palmas no final são para ele, mas também para nós, que lembramos da nossa história, da nossa estrada. Como ele, passamos por alegrias e dificuldades, sonhos e pesadelos. Como ele, resistimos. Já quebramos, já colamos os caquinhos, já levantamos e continuamos em frente. Para desespero dos etaristas, não é a idade que nos define. O grande artista está em cena para mostrar o quanto a frase é real.
Somos todos Othon.
Muitas vezes ouço a ladainha do “No meu tempo…”, lembrando uma época que passou. É um erro monumental: se você está vivo, o seu tempo é agora. A impostura de que o único momento da vida que vale são os 20 anos e que o resto será apenas saudosismo é uma tragédia. Essa tal juventude compulsória não passa de espuma e serve apenas para que os marqueteiros vendam tênis estranhos e música tosca.
Claro que temos que estar atentos ao que acontece de novo, quem fica parado é poste, mas isso não significa que toda novidade é boa e que temos que aposentar os nossos gostos porque eles não estão na moda. Que se dane a moda. Vocês acham mesmo que eu vou trocar os meus discos e meus livros por um papagaio no cio que fica repetindo “senta, senta, senta” no microfone? Ou que vou largar a felicidade do verão carioca por uma temporada em Balneário Camboriú só porque meia dúzia de influencers bobos dizem que é nova tendência? Não nasci ontem, sei o que é bom.
“Eu não me entrego, não!” não é só um mergulho na vida de um dos principais atores brasileiros. Nos mostra que não importa a idade: se estamos vivos, este é o nosso tempo. Corram para o teatro — “In on it”, no teatro Poeirinha, também é imperdível e vai sair logo —, pois séries na TV são algo bom, mas uma peça no palco é único. Ao vivo é outra coisa, quem nasceu no analógico sabe muito bem. Aproveite, leitor, que Othon Bastos ainda está aqui.
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