Márcia Lage
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Geme, ao meu lado, a mulher da minha idade. Rimos das nossas caras franzidas pelo esforço da repetição e pela carga do equipamento. Ela me conta que o dono da academia resolveu crucificá-la, depois que descobriu que ela malha há um ano e não obteve nenhum resultado.
– Disse que eu estou gazeteando e é verdade. Tem dia que pulo uns três ou quatro exercícios da lista imensa que ele me preparou. Tá pensando o que? Em me transformar em Miss Terceira Idade? Já tive o corpo que ele quer que eu tenha agora. Era lindo e foi. Hoje, para eu exibir algum músculo tenho que levantar as pelancas.
Estica a pele do braço para cima, para mostrar ao profissional que a acompanha um músculo acanhado sob a camada de gordura que já foi um biceps. Tem jeito mais não, afirma bem-humorada. Estou aqui para não perder mobilidade nem força. Outro dia fiquei sentada uma hora e quando fui levantar quase precisei de um guindaste!
O monitor sorri simpático: a senhora ainda pode ganhar músculos, é só ter disciplina. Ela coloca o cara na real puxando para cima a pelanca da barriga: vejam o meu tanquinho sarado. Todos que estão perto riem da piada.
O dono da academia também me pegou para Cristo. Ofendidíssimo com meus resultados. Em vez de ganhar massa magra, perdi. As banhas tentam ocupar o torso, vazando pelas laterais na barriga e debaixo dos braços. Cintura já era. Muito peito e pouco glúteo. Modelo batata em palitos, que ele quer reverter para modelo 8.
Me levou pessoalmente para o exame de anamnese. Puxou daqui, beliscou dali e ficou três dias me monitorando numa série que dura duas horas. Um dia trabalhando membros inferiores, outro trabalhando os superiores e um terceiro só de aeróbico, para perder peso e manter o coração em ritmo de Carnaval.
Quase morri. Depois de cada treino dormia duas horas. No quarto dia, fiquei de cama, atacada por uma rinite que, se tivesse expelido gordura no lugar de catarro, eu teria perdido os três quilos que ele estabeleceu como meta até o final deste ano.
Fiquei uma semana de repouso. Quando voltei, ele veio ao meu encontro, preocupado: Será que os exercícios que eu te passei foram exagerados? Claro que foram, mas não disse. Expliquei que tenho rinite crônica e que qualquer virada de tempo me leva para a cama.
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Ele não foi piedoso: pega firme agora e vamos cumprir essa meta! Sei! Como disse a colega, só vou fazer o suficiente para manter a mobilidade, sentar e levantar sem precisar de ajuda e ter força para abrir potes de geleia e garrafas de vinho. Tudo o mais é ilusão e esse negócio de meta é invenção do mundo corporativista, para nos transformar em escravos de nós mesmos.
Minha meta é sair da academia com mais disposição do que entrei. Se tiver que dormir para recuperar a energia perdida, vou gazatear também.
Nessa altura da vida, energia é uma poupança que tem de ser bem gerenciada. Se os saques ficam superiores aos depósitos, a falência é certa. No nosso caso, falência múltipla dos órgãos (rs).
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