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Um artigo primoroso sobre Daniel Day Lewis, considerado um dos atores mais perfeitos e perfeccionistas de todos os tempos. Quem não se lembra dele no filme Meu Pé Esquerdo ou em O Último dos Moicanos?
A notícia que está agitando os fãs do ator londrino, de 67 anos, é que ele, depois de anunciar que estava se aposentando, há sete anos, está de volta.
Day Lewis confirmou que vai participar de um filme dirigido por seu filho. E ganhou este ótimo artigo da jornalista Ruth Aquino, que centrou suas observações no fato de o ator ser verdadeiramente obsessivo em relação aos personagens que interpreta.
Por exemplo, quando foi viver o papel de Hawkeye, no filme O Último dos Moicanos, ele, como sempre faz, mergulhou profundamente na preparação, vivendo no deserto por meses, caçando e pescando, para entender melhor seu personagem.
Leia o texto completo de Ruth Aquino, publicado por O Globo:
Foram sete anos de jejum. Aposentadoria voluntária. Longe dos holofotes. Recluso. Agora, o ator que ganhou mais estatuetas do Oscar volta às telas. Volta a atuar, em nome do filho, que vai dirigir o filme “Anemone”. Este não é um texto sobre cinema, mas sobre Daniel Day-Lewis e sobre a obsessão como método. Sete anos são um longo período nessa indústria. Apenas mitos resistem a uma ausência assim. E Day-Lewis é um mito.
A geração mais nova de cinéfilos, que hoje lota as salas, era adolescente quando Day-Lewis parou. Seus três Oscar são por “Em nome do pai”, “Sangue Negro” e “Lincoln”. Descobri Day-Lewis em Londres, em 1985. Era seu primeiro papel desafiador. Chocante para a época de Thatcher. Fez um inglês “working-class” que se apaixona por um paquistanês e, juntos, gerenciam uma “launderette”, enfrentando o preconceito da sociedade. “Minha adorável lavanderia” também tornou famoso o diretor Stephen Frears.
No mesmo ano, Day-Lewis representou um aristocrata em “Uma janela para o amor” (A room with a view). Ele poderia convencer em qualquer papel. Mas ainda não o conhecíamos plenamente. Dali em diante, Day-Lewis acumulou prêmios e críticas apaixonadas, com ressalvas a sua obsessão, que chegava às raias do absurdo.
Foi em “Meu pé esquerdo” que o talento e a personalidade de Day-Lewis correram mundo. Seu personagem era o paraplégico pintor irlandês Christy Brown. Tinha paralisia cerebral e só o pé esquerdo se movia, para escrever e pintar. O ator passou oito semanas numa clínica especializada. Durante a filmagem, ele se recusou a sair da cadeira de rodas e a mover qualquer outra parte do corpo. Exigiu que a equipe o alimentasse e o ajudasse a usar o banheiro.
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Mas, com “Em nome do pai”, Day-Lewis se superou. O filme foi sobre um dos maiores erros judiciários britânicos. Quatro jovens ficaram presos 15 anos injustamente como terroristas do IRA, Exército Republicano Irlandês. Confessaram, sob tortura, o que não haviam feito. Anos depois, os verdadeiros culpados contaram tudo à polícia.
Day-Lewis adotou cidadania irlandesa e se infligiu castigos durante vários meses. Conta-se que fez questão de comer porridge (mingau) gelado e bandejão de cadeia, recusou-se a dormir várias noites, viveu numa cela construída no set, exigia que jogassem jatos d’água nele, contratou quatro sujeitos de Dublin para ficar dando pontapés na porta de sua casa, insistiu em ser interrogado por dois detetives reais. Emagreceu 13 quilos para incorporar Gerry Conlon.
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Filho de um poeta e uma atriz, Day-Lewis abandonou as salas de aula aos 13 anos. Para fazer cinema e teatro. Se não pudesse atuar, dizia, não se encaixaria no mundo. Em seu último filme, “Trama Fantasma”, em 2017, interpretou um alfaiate – obsessivo e perfeccionista. Capaz de se deixar envenenar por amor.
Quando vejo um ator perfeccionista como esse, encenando múltiplos papéis com tanta entrega, minha reação é de profunda admiração. Por todos que são loucos pelo que fazem. E que, de alguma forma, enlouquecem mesmo, mas se mantêm lúcidos.
Palmas para eles e elas, de pé – e, por falar em atores excepcionais, não perca no teatro Othon Bastos, aos 91 anos, no monólogo “Não me entrego, não”. Você vai rir, chorar e se apaixonar.
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