50emais
Uma espécie de flor rara em pleno sertão de Pernambuco. Leonardo Bastião, um lavrador que é pura simplicidade, faz poesia tocante, inspirado na sua realidade de camponês.
O poeta sertanejo é tão bom que seus vídeos têm mais de 14 milhões de visualizações no youtube. Ele é assunto de um documentário, exibido em cinco países e já premiado.
“O Poeta Analfabeto” foi mostrado na Rússia, França, Índia e Bósnia, onde ganhou na categoria “melhor roteiro”. No final do mês passado, o filme foi exibido em praça pública, em Itapetim, terra do lavrador.
O mais incrível é que Leonardo faz tudo de improviso, palavras, métricas e rimas ‘brotam’ na cabeça dele, que não sabe ler nem escrever.
Leia a reportagem de Vitor Tavares, da BBC News:
Inicialmente gravados sem grandes pretensões, os vídeos de um poeta pernambucano de Itapetim já acumulam mais de 14 milhões de visualizações no YouTube e viraram tema de documentário que retrata uma rede de cancioneiros populares (ainda que pouco conhecidos nas grandes cidades) exibido em cinco países.
O agricultor familiar Leonardo Bastião, 74 anos, leva uma vida bastante simples, resumida ao sítio onde mora, na zona rural de Itapetim, no sertão pernambucano. Quase nunca sai da propriedade. E lá mesmo, tira uma ímpar inspiração para fazer poesia:
“A sombra que me acompanha/ Não é a que me socorre/ Se eu andar, ela anda/ Se eu correr, ela corre/ E é mais feliz do que eu/ Não adoece nem morre”
Tudo é feito no improviso: palavras, métricas e rimas ‘brotam’ na cabeça; afinal, Bastião não sabe ler nem escrever. São décadas compondo poesias populares repentistas inspiradas pela caatinga que até então jamais haviam ganhado qualquer registro..
Até 2008. A partir daí, o comerciante Bernardo Ferreira, 57 anos, nascido no sítio vizinho ao de Bastião, adquiriu uma câmera em São Paulo e passou a gravar o cotidiano da pequena Itapetim, de 14 mil habitantes, além do que saía da cabeça e da boca de seu Bastião e de outros poetas da região.
À época, a única rede social conhecida era o Orkut e foi lá que o comerciante postou o primeiro vídeo do poeta Bastião. E o post viralizou! No entanto, desagradou o idoso, que não queria se tornar público.
Bernardo se desculpou, mas seguiu gravando, agora desejando apenas ‘guardar os vídeos para si’. Foi quando ouviu falar de “um tal de YouTube”.
“Me falaram que era na internet, que eu abria uma conta, ficava com uma senha como a de banco e, quando quisesse ver, era só entrar lá. Eu não sabia que os vídeos estavam sendo expostos pro resto do mundo”, disse Ferreira à BBC News Brasil.
Entre um vídeo e outro, nos cinco anos seguintes, milhares de visualizações. E sem personalização alguma: eram publicados sem título, descrição, thumbnail e outras configurações que os profissionais aprendem. Apenas um mar de pessoas interessadas no sertão e nos poetas iletrados foi chegando, comentando, compartilhando.
“Eu só colocava os números ‘1, 2, 3’ [no título], não sei como descobriram.”
Há seis anos Bernardo conheceu Jefferson Sousa, 25 anos, filho de Ferreira, que percebeu o que estava acontecendo. “Tinha 3 mil emails não lidos, dizendo ‘fulano’ comentou… Foi quando fui olhar o que era e tinha 200 mil visualizações mensais”, conta.
Veja a beleza do poema declamado por Leonardo Bastião:
Poeta viral
Batizado de Bisaco do Doido, o canal de Ferreira hoje conta com mais de 32 mil inscritos e acumula 14 milhões de visualizações no YouTube.
Produzido por Jefferson, um documentário sobre Leonardo Bastião, o poeta que fez mais sucesso no canal foi lançado recentemente e ganhou o mundo.
“O Poeta Analfabeto” já foi exibido em festivais de cinco países, como Rússia, França, Índia e Bósnia, onde ganhou na categoria “melhor roteiro”. No final do mês passado, o filme foi exibido em praça pública, em Itapetim.
Seu Bastião assistiu ao longa-metragem de pé ao lado dos amigos, tendo sido ‘tietado’ pelas pessoas que foram ver a história dele no telão. A prefeitura do município reproduziu versos do poeta em alguns prédios públicos.
m um de seus vídeos mais virais, Bastião está no seu sítio, com seu inseparável chapéu, e faz versos sobre a sua história e a “herança” que recebeu do pai:
Nasci na casa atrasada
Sou filho de Luisinho Bastião
Fiz muitas letras no chão
Mas o lápis era a enxada
E morreu à míngua, sem nada
E minha herança foi assim
Meio quadro de terra ruim
Que ainda hoje eu defendo
E nem abandono nem vendo
O que pai deixou pra mim
(Leonardo Bastião)