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Uma história fascinante a de Amyris Fernandez, 62, empresária paulista bem sucedida com um certo pendor para aventuras.
O relato dela de como chegou lá em cima do Monte Roraima, depois de subir 2.810 metros e andar por nove dias, é imperdível.
Assim como aconteceu comigo, espero que este artigo de Luciana Bugni para o Uol inspire muitas outras mulheres. O exercício físico diário tem papel fundamental no ânimo e disposição da empresária.
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Amyris Fernandez tem 62 anos, a fala firme — é o tipo de pessoa a quem parece difícil desobedecer — e é sócia-diretora de uma empresa de educação. Ativa nas redes sociais, ministra cursos e produz vídeos com dicas corporativas e um toque de militância – o combate ao etarismo é uma de suas bandeiras. “Não dá para ficar calada diante da injustiça”, diz.
Além de urbana —ela mora em São Paulo—, tecnológica e assertiva, Amyris também é aventureira: escalou os 2.810 metros do Monte Roraima, na fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana, numa jornada que durou nove dias. No total, caminhou por cerca de 150 km – parte deles vencidos sob uma sensação térmica de -10°C.
A travessia foi feita em um grupo de nove pessoas, além de outras 18 atuando no suporte (para carregar equipamentos e preparar as refeições, que incluíam arepas, ovos, carne, macarrão e sopa de legumes). Os banhos ocorriam em cachoeiras geladas, lagos e córregos formados pela água da chuva.
No Monte Roraima não há wi-fi ou esquema de salvamento imediato caso algo dê errado. Em uma situação de fratura exposta, por exemplo, a vítima teria que ser carregada em uma rede, suportando a dor até que o resgate chegasse.
Durante a escalada, obedeceu aos comandos dos guias mesmo que, eventualmente, não entendesse o sentido daquilo – dos tempos em que foi chefe em grandes empresas, aprendeu que as consequências de algumas ações só virão no futuro. “Sou o melhor soldado que um sargento pode ter”, ela diz. “No Monte Roraima, o ecossistema é pré-cambriano. Não deveria estar pisando naquele terreno, porque não existiam seres humanos na Terra quando o local surgiu. Portanto, o mínimo que se pode fazer é respeitar o que dizem os guias”, afirma.
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“Em geral, turistas não têm noção do impacto que causam nos lugares visitados. Quando subimos, os guias indígenas nos deram aula de respeito e civilidade. Disseram ‘aqui moram nossos ancestrais. Não gritem, pois assim vocês assustam os espíritos’. Não nos cabe questionar as crenças. Por que alguém se acha no direito de desrespeitar o lugar sagrado?”, questiona.
Num dos dias da viagem, um homem entrou na água gelada para tomar banho e começou a gritar. Tomou uma bronca de Amyris. O rapaz não gostou e devolveu alguma grosseria. Ela decidiu ignorá-lo, mas um de seus colegas a defendeu. Disse que o rapaz não falaria aquilo caso a chamada viesse de um homem.
“Teve quem que pegasse sapos na mão para tirar foto. As pessoas acham que a fauna é um recurso para servi-las, mas as bactérias presentes em nossa mão vão condenar o animal à morte. É claro que verbalizo isso”, afirma.
Na descida, o peso não a acompanhava
Amyris decidiu fazer a viagem sem acompanhante – exceto os que conheceu ao longo da travessia. Durante as caminhadas, os colegas perguntavam se ela não sentia falta de um companheiro. “Vivo em solitude, não em solidão. Converso com muita gente, faço amigos em todo lugar”, diz. Seu último casamento acabou em 2009 e, desde então, ela vive relacionamentos “freelancer”, pois se tornou seletiva. “Se o cara fala uma frase machista, já digo: próximo!”
Na subida, ela diz, carregou o peso de ser uma mulher de mais de 60 anos. “A nossa sociedade machista e etarista gritava na minha cabeça que eu não deveria estar ali. Mas foi só passar pela cachoeira do Passo das Lágrimas, no terceiro dia, que o pensamento se foi. Eu não era uma mulher ou uma velha, era um ser humano me superando”. Na descida, o peso já não a acompanhava. “A Amyris que subiu não voltou mais”, afirma.
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“Vivemos a narrativa que constroem para a gente. No capitalismo, dizem que só é bem-sucedido quem ganha dinheiro e alcança determinados postos. Mas cada experiência que vivo me diz o exato oposto. Só precisamos superar o medo de romper com esses padrões”, reflete.
‘Energia desembestada’
Amyris não largou uma vida sedentária em São Paulo e foi direto viver uma aventura na montanha. Ela pratica esportes sete dias por semana “desde que se lembra por gente”. Sempre correu e fez musculação. Recentemente, acrescentou à lista treino funcional, bicicleta e pilates, que lhe dão resistência para fazer uma viagem como a do Monte Roraima.
Para Amyris, moradores das cidades não estão preparados para viver na natureza — têm musculatura atrofiada e incapacidade para ler o ambiente e administrar a energia durante o dia, ela acredita. “Não me espanta que tenhamos tantos casos de burnout: as pessoas estão afastadas de si, longe do ciclo de sono e fome.”
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Ela nasceu no Brasil, mas morou na Argentina até os seis anos de idade. Do pai, natural de Buenos Aires, herdou a veia de atleta — ele integrava a seleção olímpica de ginastas de solo do país. No início da vida adulta, já morando em São Paulo, Amyris saía da balada direto para o parque Ibirapuera, para correr. Tinha o que chama de “energia desembestada”. Em 2008, uma estante de livros caiu sobre a empresária — ela segurou o móvel com o braço. A força muscular salvou sua vida, mas a coluna se ressente até hoje.
‘Um corpo frágil’
“Nasci na década de 1960. Sou de uma época em que mulheres só podiam esperar por casamento e filhos”, conta. Foi aos 50 anos que percebeu não ter feito tantas viagens como gostaria. “Minha filha tinha 20 e poucos anos, eu já havia cumprido a função de mãe e queria ser mais ousada, exigir mais de mim fisicamente”, afirma. “Sabia que, se eu não começasse naquele momento, não poderia começar depois.
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Estreou com uma viagem de um mês pela Patagônia argentina e chilena, em 2011. Apesar de dormir em hotéis confortáveis, o roteiro oferecia desafios físicos complexos. “Vi que subir e descer montanhas com pouco oxigênio era complicado. A minha musculatura ia, mas o condicionamento físico não dava conta. Decidi fazer viagens como aquela com mais frequência. Para isso, precisava treinar mais”, relata.
A necessidade de cuidar do corpo se tornou mais evidente no ano seguinte, no Marrocos. Sonhava conhecer o Saara e andar de camelo. Passou 21 dias no país, sendo 10 no deserto. No primeiro dia, desmaiou por causa de uma desidratação. “Aprendi do pior jeito possível que meu corpo não é feito para ficar sem beber água. Minha distância de mim me levou a descobrir que sou frágil”, afirma.