50emais
Tenho 72 anos. E desde menina vejo Laura Cardoso na televisão. Ela é pioneira. Foi uma das primeiras atrizes convidadas a trabalhar em folhetins, ainda na TV Tupi.
O interessante é que eu envelheci, me aposentei. E Laura Cardoso continua trabalhando, aos 95 anos de vida. Exemplo perfeito de longevidade ativa.
Lúcida e bem disposta, Laura é quem, até hoje, segundo sua filha, Fátima, comanda sua carreira. ‘Durante toda a vida foi assim. Ela que dizia não ou sim para as personagens, ela que fechava os contratos’, diz a filha, nesta reportagem de Danilo Casaletti para o Estadão.
Leia:
Dona Laura, como costuma ser chamada por seus colegas de profissão, é muitas personagens. Aliás, é a própria história da telenovela brasileira. Aos 95 anos de idade, com inacreditáveis oito décadas de carreira, a atriz tem no currículo mais de 60 folhetins – só na TV.
Ao lado de outros pioneiros, entre eles, Lima Duarte, Yara Lins, Lolita Rodrigues, Márcia Real, Fernando Baleroni (com quem Laura foi casada) e Vida Alves, todos oriundos do rádio e do teatro, ajudou a dar forma para o que se tornou um dos principais produtos culturais de massa do País – e artigo de exportação.
Por isso, o papo com Laura passou pelo rádio – veículo ao qual ela se referiu em vários momentos da entrevista – e por sua paixão pela profissão que escolheu ainda adolescente, aos 15 anos.
“Gosto de estar com a minha gente”, diz, com os olhos brilhantes de uma iniciante, ao se referir aos colegas atores, técnicos, diretores e autores ao lado dos quais ela passou a maior parte de sua vida, em estúdios de rádio e de TV, nos palcos de teatros e nos sets de cinema.
Longe da televisão desde sua participação na novela A Dona do Pedaço (2019), Laura se divide entre o apartamento em que mora no bairro das Perdizes, pertinho do antigo prédio da TV Tupi, emissora ao qual ela guarda imenso carinho, e um sítio em Itu, no interior de São Paulo.
Está pronta para uma possível próxima personagem – e continua contratada da Globo. Enquanto isso, lê, um de seus passatempos preferidos. “Ator tem que se saber ler! E tem muitos que não sabem!”, diz.
Laura se espanta ao saber que o remake de Mulheres de Areia, do qual ela participou, foi ao ar pela primeira vez há 30 anos. “Tudo isso?”, pergunta. Escrita por Ivani Ribeiro, a novela foi produzida originalmente pela TV Tupi em 1973, com Eva Wilma no papel das gêmeas Ruth e Raquel.
Na TV Globo, as gêmeas, uma boa e outra má, foram vividas por Glória Pires. Laura era Isaura, mulher do pescador Floriano (Sebastião Vasconcelos), mãe de Ruth e Raquel. Tinha preferência pela segunda, a de caráter duvidoso.
Leia também: Fernanda Montenegro: ‘Tudo já é meio uma despedida para mim. Uma hora acaba. Não tem jeito’
Para novelas estrangeiras, a atriz torce um pouco o nariz, sobretudo para as mexicanas, em alta atualmente. “O que é aquilo? É muito ruim…”, diz, com ar de reprovação.
Ela gosta mesmo é do produto nacional, o qual ajudou a criar. Sabe que o gênero ainda vai continuar em alta entre o público, mesmo em meio a tantos novos produtos audiovisuais.
“A novela é uma encantadora de gente. Uma grande ilusão. Por isso, não acaba”, diz.
Filha de pais portugueses, Laura não enfrentou resistência por parte do pai, um comerciante apaixonado por teatro e pelas artes, quando anunciou que gostaria de ser atriz. Já a mãe, não gostou da ideia. As atrizes, naquela época, anos 1940, não tinham boa fama.
“Quem fazia teatro era puta. Então, eu era puta. Sou putíssima até hoje, porque eu defendo a profissão”, diz, entre gargalhadas.
Na TV Globo desde o início dos anos 1980 – na emissora, ela estreou na novela Brilhante, de Gilberto Braga -, Laura, que completará 96 anos em setembro, não pensa em parar. Se aparecer uma nova personagem, está pronta. “Gosto de estar com a minha gente. Em um estúdio, nada me cansa. Quero morrer trabalhando”, diz.
Laura afirma guardar cada personagem que fez dentro de si. “A história fica em você. Eu fiz muitas mulheres, todas elas. Tenho um pedacinho de cada uma dentro de mim”, diz.
Leia também: 100 anos iluminando quem vive ao seu redor
Lúcida e bem disposta, Laura é quem, até hoje, segundo sua filha, Fátima, comanda sua carreira. “Durante toda a vida foi assim. Ela que dizia não ou sim para as personagens, ela que fechava os contratos”, diz Fátima, que, em 1974, fez uma participação na novela Ídolo de Pano, da TV Tupi, interpretando a personagem da mãe quando mais jovem. Depois, decidiu não seguir na carreira artística.
Olha ela aqui:
Foi Laura quem disse que queria fazer a entrevista com o Estadão pessoalmente, e não por telefone ou chamada de vídeo. Aprovou também a ida do repórter fotógrafo Daniel Teixeira. Para ele, posou como desejou. Fátima, apesar de acompanhar tudo atentamente, não censurou ou sugeriu nenhuma fala ou pose de Laura. “Ela ama viver”, diz a filha de Dona Laura.
Leia também “100 anos de mulheres incríveis” – você não pode deixar de ver