Depois de 100 dias me escondendo do novo coronavírus na casa da minha família, em Minas Gerais, criei coragem, arranjei uma carona e, mesmo com medo – beirando os 70 anos, pertenço ao grupo dos mais vulneráveis à covid-19 -, voltei para o meu apartamento no Rio.
Há muito queria vir. Mas toda vez que tentava articular um retorno, todos me aconselhavam a esperar. Por quanto tempo? Um dos nossos maiores dramas é exatamente não termos a mais vaga ideia de quando a tormenta vai passar e permitir que voltemos a viver sem medo, sem precisar estar em constante alerta, sem a sensação que a qualquer momento pode perder a luta contra a criatura traiçoeira.
Como estou no Rio, uma das cidades com maior número de casos do país, abalada pelos desgovernos do Prefeito Marcelo Crivella e do governador Wilson Witzel, sei que qualquer descuido pode abrir a porta para o indesejável entrar.
Saio de manhã para caminhar ostentando minha máscara. Fico de olho para não me aproximar de ninguém e tento não tocar em nada durante o tempo em que estou fora. Evito o calçadão, onde há sempre um número maior de pessoas transitando. Na volta, se vou precisar ir ao supermercado, levo sempre um par de luvas. Li vários relatos de pessoas que contraíram o vírus em supermercados.
Fiquei com isso na cabeça. É onde tenho mais receio de ir. O fato de o lugar ser fechado, o ir e vir de pessoas perto da gente, o tocar inevitável nos produtos para por no carrinho de compras, o digitar a senha do cartão de crédito, a carga que se traz para casa – seja grande ou pequena: tudo é perigoso para quem foge do vírus.
Durante a caminhada matinal pela orla, o que mais me chama a atenção são os sem máscara, pessoas de todo tipo, de todas as classes sociais, jovem, velho, criança. Inacreditável, mas há gente que ainda duvida que o novo coronavírus – chamado de “novo” porque há outros vírus em formato de coroa (corona, em latim) – realmente existe.
Enquanto isso, impulsionados pela displicência de tantos, os números de mortos e infectados , continuam assustadores, no Rio e no país, sinalizando fortemente que é cedo demais para baixarmos a guarda.
O novo coronavírus se espalha com muita facilidade, é extremamente contagioso. Não é à-toa que o Brasil já ultrapassou os dois milhões de casos da covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos.
Para tentar compreender melhor o que vivemos neste momento, estou lendo A Grande Gripe, do americano John M. Barry. Conta a história da gripe espanhola, “a pandemia mais mortal de todos os tempos.” Ninguém sabe exatamente quantas pessoas morreram, mas o livro diz que pode ter sido até 100 milhões.
A gripe, debelada há exatamente um século, se espalhou pelo mundo a partir de 1918, ano em que terminou a Primeira Guerra Mundial, e seguiu matando e infectando até 1920. Quando desapareceu.
Como a História sempre dá voltas, se a China é acusada hoje de ter exportado esse vírus mortal, naquela época, o dedo foi apontado para os Estados Unidos.
O vírus da gripe espanhola – assim denominada porque, num primeiro momento, só a Espanha, país neutro na guerra, publicava notícias da gripe – teria surgido numa unidade militar do estado do Kansas, no centro-oeste americano, e se disseminado rapidamente para para as outras partes do mundo. No Brasil, foram 35 mil mortos.
Mesmo com todo esforço, o mundo levou dois anos para por fim à pandemia de gripe espanhola. No caso do novo coronavírus, a expectativa, felizmente, é que será possível neutralizá-lo mais rápido, porque já há estudos adiantados em vários países, inclusive no Brasil, para a criação de uma vacina.
Enquanto a grande arma contra o vírus não chega, temos que buscar nos proteger da melhor maneira possível: lavar bem as mãos com água e sabão – na rua, usar álcool gel -, manter boa distância das outras pessoas e usar a máscara. Não há como fugir disso. Se quisermos escapar.