Pedro Augusto Leite Costa, Lopez Island(EUA)
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Já ouviram falar do cara que depois de velho abandonou tudo (ou quase tudo) e saiu pelo mundo para fazer da ultima parte da sua vida a mais ambiciosa, aventureira e, porque nao dizer, louca? Ou daquele velho mineiro que ouviu a frase “em Minas as pessoas se matam por medo de morrer” e ficou aterrorizado? Ou do cara que viu seus antepassados entrarem em depressão na idade dourada, deitarem na cama e nunca mais saírem de lá?
Estou com 65 anos, muito bem vividos, sinto-me ridiculamente um jovem de 25, estou cada vez mais entusiasmado com o futuro e, se pudesse, viveria mais do que a tartaruga que foi recusada pelo nosso companheiro, jornalista Roberto Marinho. “Nao gosto de me apegar a animais de vivem mais de 200 anos – não suportaria esta perda”.
Moro numa ilha paradisíaca no Pacífico, noroeste dos Estados Unidos, numa casa de frente pro mar gelado. Aqui nem passarinho voa e até os insetos são bem educados. Passo os dias trabalhando (quando quero), nadando (na água gelada), lendo livros cada vez mais interessantes e, quando dá, tomando uns pingões (doses duplas de tequila) no único bar local.
Minhas filhas estão se formando (uma em jornalismo, coitada), as contas estão razoavelmente pagas e minha senhora, uma linda americana que nasceu um ano depois de mim, mais bonita que Nossa Senhora, vai para qualquer lugar do mundo comigo. Sem perguntar porque ou quando. Isto é que é mulher.
Pois bem. Neste domingo abandonaremos nossa casa, alugada agora para uma dupla de “Pode crê”, amante da terra e dos animais, e vamos morar no deserto aqui mesmo no Estado de Washington, que faz fronteira com o Canada. Levaremos duas bicicletas elétricas para rodar por lá. A região é, naturalmente, seca, ensolarada e ventosa, embora seja rasgada por um dos maiores rios americanos, o Columbia. Bonito e volumoso que só ele.
De lá, já em junho, partiremos para Portugal, onde tentaremos fazer o Caminho de Compostela à pé ou de bicicleta, de carro ou de avião ou de canoa com a sua mãe na proa, como brincava o inesquecível Chacrinha. Não teremos compromisso com nada, a nao ser com o prazer. Aliás, quando me perguntaram a minha religião no Facebook, coloquei sem medo: hedonista.
Vamos seguir o caminho da costa atlântica, como nossos patrícios se referem ao leste portugues. Andando e nadando, nadando e andando, ao invés de regra beneditina “ora e labora” que minha mae gostava de repetir, embora nunca tenha trabalhado em sua existência. Mas orava que era uma beleza.
Muita gente chegava perto dela, Dona Teresinha, e contava os planos mirabolantes para o futuro. Ela pacientemente ouvia e ouvia e ouvia e depois dizia com o sarcasmo que lhe era peculiar.
Mande-nos um postal.
Minha mãe já está no ceu, mas aqui na terra viveremos das nossas aposentadorias nos Estados Unidos e no Brasil (vai depender de quem pagar mais) e, se a coisa apertar, recorreremos as nossas economias.
Não quero ter mais esta ética do trabalho que me deixou angustiado durante a toda a vida. Meu lema sempre foi “meu nome é trabalho e meu sobrenome é muito”, mas agora chega. Cansei. Não quero me aproximar de alguém (ou de alguma coisa) que não deseje ardentemente a minha felicidade ou que simplesmente nao me faça bem.
Décadas atrás, ainda jornalista, escrevi uma matéria para o Estadao sobre a reinauguração do Gallery, uma boate de granfinos nos Jardins, em São Paulo. A matéria começava com a pergunta que o colunista Ibrahim Sued, o patriarca de todos os colunistas sociais, fez a uma socialite:
Você trabalha?
Não, nao tenho tempo.
Divina resposta, não é? Na época achei ridícula e absurda, mas hoje compreendo muito bem. Há uma revolução no mundo, chamada Great Resignation, onde as pessoas descobrem que trabalhar, principalmente para os outros, não faz muito sentido. As pessoas parecem estar sem paciência para trabalhar. Elas não tem tempo.
Estão sem saco mesmo.
Acordar tarde, ler um bom livro, tomar uns goles (não necessariamente nesta ordem) é bem melhor. E este “melhor” é o sentido da vida. “Gente é para brilhar, não para morrer de fome”, resumia Caetano. De Portugal, iremos nos aventurar pela Espanha (a patroa quer aprimorar o espanhol), e depois para a França, Turquia, Singapura, voltaremos à China, Hong Kong, Coreia (minha senhora se apaixonou pelas novelas coreanas do Netflix) e depois não me perguntem. Talvez Marte, se o Elon Musk me convidar.
Enfim, amigos, adeus. Nos próximos meses, quiça anos, vocês ouvirão falar de mim e espero que digam:
Deus do céu, olha que loucura que este cara fez.
Esse cara sou eu.
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