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Há muitas mulheres que têm medo de envelhecer, sobretudo depois dos 50 anos, quando começam a tomar consciência dos efeitos da idade e da própria finitude.
Não é fácil ter em mente que uma hora a caminhada chegará ao fim. E a cada dia que passa, nos aproximamos mais do desfecho de nossas vidas.
Mas, em termos pessoais, esse é um dos períodos mais ricos de nossa existência. Estamos mais livres do que nunca, já não damos tanta importância ao que os outros pensam de nós, e, pela primeira vez desde que nascemos, podemos fazer o que quisermos, virar a vida pelo avesso.
O medo se transforma em coragem para seguir em frente e desfrutar do que ainda resta para viver. É que fizeram as mulheres citada nesta matéria de O Globo.
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As décadas vividas nos presenteiam, ao mesmo tempo, com a coragem para fazermos coisas que até aqui não foram possíveis e o medo de se expor a situações de risco, tanto físicas quanto emocionais. Sem ninguém para dizer o que pode/deve ou não ser feito, é possível reviver desejos reprimidos.
E não precisa ser uma coisa radical, como nadar com tubarões ou conhecer a Europa toda de bicicleta. Experimentar uma atividade artística, por exemplo, é um mergulho dentro de si enorme, que muitas vezes não cabe na vida cotidiana da maioria.
Foi o que fez Maria Cândida Velloso, de 70 anos. Maria sempre gostou de fotografar, mas durante os 35 anos em que trabalhou como secretária da presidência de grandes multinacionais não encontrava tempo para isso.
Quando se aposentou, nove anos atrás, começou a estudar fotografia e se reconheceu uma pessoa extremamente sensível. Empolgou-se tanto que até pensou em se profissionalizar.
— Mas, depois de um certo tempo, entendi que não queria estudar tanto, e sim ter prazer com aquilo — diz ela, que também se matriculou em cursos de italiano, filosofia e arte.
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Outro hobby que ganhou espaço em seu dia a dia foi viajar. Antes de se aposentar, suas incursões ao exterior não duravam mais que uma semana, sempre com a agenda cheia e os horários apertados. Agora, escolhe o destino, aluga um apartamento e só volta para casa, no Rio de Janeiro, um mês depois.
Nessa brincadeira, já passou temporadas em Roma, Paris, Milão, Nova York e Florença, entre outros grandes centros.
No começo, havia o medo de receber olhares carregados de julgamento, afinal, uma mulher de cabelos grisalhos viajando sozinha ainda chama a atenção. O desejo de passar aqueles dias na cidade escolhida, vivendo como uma local, no entanto, foi mais forte.
— Muitas vezes, valorizamos coisas banais e damos importância para algo que não merece tanto espaço assim. E, à medida que vamos ficando mais velhos, adquirimos vivências e aprendemos a escolher pelo que realmente vale a pena brigar — afirma a geriatra e psiquiatra Roberta França.
“À medida que vamos ficando mais velhos, adquirimos vivências e aprendemos a escolher pelo que realmente vale a pena brigar”
— Roberta França, geriatra e psiquiatra
Para ela, essa reavaliação de valores tem a ver sobretudo com o entendimento da individualidade.
— O envelhecimento nos traz a capacidade de perceber que há coisas que só o outro pode resolver. Por mais que eu ofereça ajuda, não tenho como vivenciar a experiência alheia.
A geriatra e psiquiatra aponta a consciência da finitude como parcela fundamental dessa equação. Em seu consultório, é comum o paciente se mostrar assustado porque completou meio século de vida e não percebeu os anos passarem.
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— Justamente porque, durante muito tempo, achamos que o nosso tempo é infinito. O jovem não tem a menor perspectiva de finitude nem de envelhecer. O tempo deles é diferente.
É aí, justamente, quando a consciência da idade começa a aparecer, que surge o medo – e, paradoxalmente, a coragem.
— As pessoas começam a temer não ter tempo para fazer tudo o que queriam ou ter menos tempo do que tiveram até o momento e passam a sentir necessidade de cumprir determinados acordos que fizeram com elas mesmas no passado — explica Roberta.
Foi o que aconteceu com Sergio Passos, de 72 anos. Depois de uma juventude pegando onda de peito em mar de ressaca e jogando vôlei na Praia de Copacabana, ele viu a rotina típica de um carioca praiano ser interrompida pela vida adulta. Exército, filho, casamento, separação, outro casamento, mais filhos, tudo isso interferiu na programação normal do arquiteto.
Não consigo mais entender minha vida longe do mar”
— Sergio Passos, arquiteto e medalhista em sua categoria no Rei e Rainha do Mar
Durante toda a vida, fez exercícios físicos regularmente com algumas pausas em momentos pontuais. Até ensaiou fazer windsurf e treinou natação em um clube, mas foi só aos 67 anos, a convite de Pedro, seu primogênito, que voltou a se exercitar no mar de verdade.
— Não consigo mais entender minha vida longe do mar — conta ele, que é medalhista em sua categoria no festival Rei e Rainha do Mar, nada três vezes por semana na Urca e ainda fez um grupo de amigos animado com idades que variam entre 30 e 70 e tantos anos.
Recentemente, uma cirurgia renal o tirou de combate durante um mês. Pensa que ele ficou longe da praia?
— Vou para lá todo dia e fico boiando, fazendo minha meditação, louco para voltar a nadar — conta.
Movimento do tempo
— Quando envelhecemos, começamos a nos desobrigar de várias coisas, a ter uma perspectiva de falar “agora vou fazer aquilo que eu quero, que sempre tive vontade, mas não tive coragem porque achava que precisava agradar ou porque achava que não estava sendo conveniente ou que não estava no lugar certo com as pessoas certas” — diz a médica.
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Segundo ela, o ponto crucial para fazer a virada, relaxar e curtir o que de melhor a vida tem para oferecer é o entendimento com o tempo.
— Muitas pessoas falam: “Se eu tivesse a cabeça que tenho hoje há 20, 30 anos, faria tudo diferente”. Acontece que há 30 anos você não teria a bagagem, a experiência que tem hoje. Quando a gente entende que não existe a possibilidade de ter essa cabeça com aquele corpo, começa a compreender que a gente não tem como mudar o movimento do tempo.
E quando passamos a aceitar isso, garante a médica, tudo muda.
— Essas são marcas da sua vida e são a única maneira de você ter essa história.
O resto é perda de tempo.