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O Brasil, mostrou o censo de 2022, está envelhecendo muito mais rapidamente do que os analistas esperavam. Mas essa é uma realidade que a população, em geral, ainda não se deu conta.
Tanto assim que é forte e cada vez mais comum, na medida em que aumenta o número de idosos, os casos de preconceito de idade no país. Quem passa dos 50 anos sente na pele esse tipo de preconceito, chamado de etarismo, idadismo ou ageísmo.
Neste artigo de Luiza Vidal para o UOL, ela conta a história do bailarino Carlos Cabral, 60 anos, chocado com a reação das pessoas ao vídeo que postou recentemente no Instagram:”Alguns eram extremamente agressivos e comecei a apagá-los ou a respondê-los. Me atacaram e me chamaram de velho” – contou ele.
Leia:
Carlos Cabral, 60, começou a dançar porque estava triste e queria se sentir mais animado. Mas o que teve início como um passatempo, aos 19 anos, acabou se transformando em uma longa carreira de sucesso no balé clássico.
Bailarino há 40 anos, Carlos nunca imaginou que um vídeo de um ensaio, publicado no Instagram, teria tanta repercussão, principalmente negativa, em pleno ano de 2023.
“Me atacaram e me chamaram de velho. Disseram que minha roupa mais parecia uma fralda do que uma roupa de um bailarino clássico.”… –
A VivaBem, Carlos conta sua trajetória como bailarino do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
“Comecei a dançar em São Paulo porque estava um pouco deprimido. Aos poucos, fui gostando mais daquele passatempo.
As professoras viram que tinha talento e me introduziram ao balé como estudante. Também comecei a querer aprender mais e a executar as coisas corretamente. Quando percebi, já estava fazendo mais de três aulas por semana.
Quando decidi me tornar profissional, tive de correr atrás do tempo perdido. Começar a estudar dança, principalmente o balé, aos 19 anos, já considerado tardio. E tudo isso foi muito exaustivo.
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Aos poucos, fui criando mais condições físicas para dominar meu corpo. Tive muito apoio em São Paulo, em um grupo que entrei. Depois, prestei uma audição para o balé do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e consegui entrar. Atualmente, sou bailarino solista do teatro, professor e coach.
‘Me atacaram e me chamaram de velho’
Recentemente, gravei um trecho de uma coreografia de uns 25 segundos só. Quando ensaiamos, usamos os ‘materiais’ mais informais, sem grandes pretensões. Então, eu estava com shorts curtos e a sapatilha: minha ferramenta de trabalho.
Veja o bailarino em ação:
Gostei do vídeo e postei no Instagram. Estranhei porque logo em seguida teve muitas visualizações, mas nada de mais. No decorrer das semanas, o engajamento foi só aumentando e fiquei feliz que as pessoas tinham gostado, mas não estava atento aos comentários, e resolvi olhar.
Alguns eram extremamente agressivos e comecei a apagá-los ou a respondê-los. Me atacaram e me chamaram de velho. Disseram que minha roupa mais parecia uma fralda do que uma roupa de um bailarino clássico, que eu não poderia estar usando aquilo.
Pude perceber que não era somente o preconceito com um homem dançando, mas também pela minha idade. Me senti muito mal com tudo isso. Estão me atacando porque ainda estou ativo, faço algo? Ou porque aos 60 anos ainda tenho um corpo em forma?
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As pessoas acham que você tem de encerrar tudo na vida ali pelos 40, 50 anos, mas isso está errado. Você encerra quando o corpo não consegue fazer mais nada. É claro que tem coisas que, na dança, não consigo mais fazer por causa do vigor físico, mas ainda consigo executar outras coisas.
Meu rosto, por exemplo, não é mais o mesmo, mas não pretendo fazer nada para camuflar minha idade. Quero ter disposição para fazer minhas coisas: ir à academia, dar aulas diárias e mostrar aos meus alunos que eles podem ir longe. Quero passar essa motivação, este é meu propósito.
Infelizmente, o vídeo viralizou dessa forma, com preconceito e ataque e isso é muito triste. Mas é importante reforçar que também recebi comentários positivos, me elogiando e motivando. Algumas pessoas me defenderam, dizendo que o mais importante era ter um corpo apto para a dança.
Não importa se tem 20, 60, 70 ou 80 anos. O importante é ter disposição e seguir em frente.
‘Preconceito com homem na dança sempre existiu’
Falar de preconceito é angustiante porque é algo que não deveria existir.
Quando comecei a dançar, foi tudo em silêncio, em segredo, ninguém sabia. Sempre estudei, trabalhei, tinha uma reserva de dinheiro do meu estágio e foi com isso que pude pagar minhas aulas.
Você entrava em uma sala de aula e a maioria era mulher —no máximo, uns cinco ou seis rapazes no grupo. Hoje em dia, as coisas mudaram e a gente já vê mais alunos homens no balé. Isso é muito prazeroso de ver!
Preconceito com homem na dança sempre existiu: as pessoas olham de forma diferente se ele está no balé, que exige movimentos mais suaves e uma parte artística.
Nossa sociedade acha que o homem só dever usar a força bruta e não é isso. Bailarinos são atletas e também lidam com seu lado artístico.
Além disso, é uma atividade muito exaustiva e cansativa, mas, para alguns, fazemos algo ‘suave’ só porque é balé.
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As pessoas também cismam que qualquer um que vai trabalhar com o lado artístico é gay, mas não é bem assim. E eu poderia ser engenheiro, arquiteto, comerciante, administrador, mas não. Sou um artista e com muito, muito orgulho disso.”
O que é etarismo
A discriminação pela idade é chamada de etarismo —ou idadismo e ageísmo. Infelizmente, é algo bastante comum: de acordo com um relatório da OMS (Organização Mundial de Saúde) uma em cada duas pessoas no mundo já apresentou ações discriminatórias que pioram a saúde física e mental dos idosos.
No Brasil, dados mostram que o etarismo começa antes até de as pessoas chegarem à terceira idade: 16,8% dos brasileiros com mais de 50 anos já se sentiram vítima de algum tipo de discriminação por estarem envelhecendo.
O etarismo piora a saúde física e mental dessa população. Já o combate passa por ações educativas. A pessoa que sofre qualquer tipo de discriminação também pode fazer uma denúncia nos conselhos municipais do idoso. No Brasil, há o Estatuto do Idoso que determina a reclusão e a multa em casos de discriminação.