Maya Santana, 50emais
Tenho ainda viva na memória a lembrança daquela noite. Estava me aprontando para sair com amigos, quando o telefone tocou. Já atrasada, corri para atender. Do outro lado, uma aflita Valeria Sffeir, jornalista da Globonews e amiga querida, que nos deixaria tão cedo, mal esperou eu dizer alô: “Você sabia que Beth Lima sofreu um acidente e está em coma num hospital em Londres?” Precisei me sentar. Pedi que repetisse. Sem condições de raciocinar, desmarquei o compromisso e comecei a longa sequência de telefonemas para a Inglaterra em busca de informação. Era 2006. Finalzinho de dezembro.
Quase 10 anos depois do episódio que marcaria o afastamento definitivo da TV da primeira jornalista escalada por uma emissora brasileira – a Globo – para cobrir arte, música e moda na Europa, muita gente ainda pergunta onde anda Beth Lima, com seu jeito elegante, seus textos irônicos e criativos, sua presença sempre charmosa no ar? Há poucos dias, com aquela discrição mineira que é sua marca, Beth esteve no Rio. Retornava de Belo Horizonte, onde foi visitar familiares, inclusive a mãe, já com 90 anos. Foi a primeira vez em nossa longa e cultivada amizade que ela me contou os detalhes do acidente, ocorrido na antevéspera do Natal de uma década atrás.
Antes de se mudar para Londres no final da década de 70, Beth viveu em Paris com o companheiro Robert Faith, empresário proprietário da Editora Objetiva, na época, correspondente da Rede Globo. Ela estudava francês na Nouvelle Sorbonne, frequentava os museus e desfrutava da intensa vida cultural da capital francesa. Mas não lamentou quando tiveram que se transferir para Londres , em plena era pós-Punk.
Apaixonou-se pela cidade desde o primeiro instante e desenvolveu laço tão profundo com a sofisticada metrópole que nunca mais cogitou viver em outro lugar. Até escreveu um livro “Londres, modo de usar (1996)”, guia turístico e cultural da cidade. Na gélida noite de inverno de 23 de dezembro de 2006, acabara de deixar o novo apartamento, em Westbourne Park, não muito longe do Hyde Park, que havia comprado dois dias antes. Parou na esquina com a intenção de acenar para um táxi.
Vestida elegantemente, com casaco, para se proteger do rigoroso frio, Beth pretendia jantar com sua velha amiga Flora Cisneiros, funcionária de longa data da embaixada brasileira em Londres. Desceu o quarteirão tranqüila, pois tinha tempo para chegar ao apartamento onde era esperada pela octogenária, com quem amava conversar. Na esquina, não teve tempo de levantar o braço para chamar o táxi: do nada, surgiu um BMW que a colheu em cheio. O carro se envolveu em uma batida com um táxi e acabou lançado em cima do passeio, exatamente onde ela estava. “Eu não vi nada. Acordei 10 dias mais tarde no CTI de um hospital”, contou Beth, lembrando que foi Stephen Bailey, Produtor de Eventos , pai de seu filho Sebastian Bailey, quem a tirou da perplexidade. “Stephen, onde eu estou?”
Nesta época do ano, a diferença de horário entre Londres e Brasília é de quatro horas. Assim, quando o acidente aconteceu, por volta das 8h da noite na Inglaterra, eram 4h da tarde no Brasil. A notícia chegou do lado de cá do Atlântico, deixando atônitos seus familiares, amigos e colegas de trabalho.Beth Lima , naquela altura, já se tornara uma referência, com seu estilo todo especial de apresentar suas matérias de moda, arte, comportamento, monarquia. Foi ela a primeira brasileira a mostrar a rica e diversificada moda de rua londrina. A cobrir os desfiles de Londres, Milão e Paris dos maiores da alta costura, como Yves Saint-Laurent, sua grande paixão-, Pierre Cardin, Givanchy, Chanel, Vivienne Westwood (punk), John Galliano, Jasper Conran e outros.
Quando sua carreira na televisão foi abruptamente interrompida, depois de mais de 30 anos de trabalho, Beth Lima já havia entrevistado praticamente todo mundo de expressão do mundo da moda, das artes plásticas e da música. Veja a conversa que ela manteve com Mário Testino, um dos fotógrafos mais respeitados do mundo, no alto da roda gigante, tendo como cenário Londres:
Como jornalista, Beth cultivava fontes preciosas, com a quais falava no momento que quisesse. O então embaixador em Londres, Paulo Tarso Flecha de Lima, e a embaixatriz Lúcia Flecha de Lima, que ganhou notoriedade pela proximidade com a princesa Diana, eram duas das muitas figuras importantes cujos telefones constavam de sua agenda secreta. Foi graças a esse relacionamento com o embaixador que ela acabou ajudando o jornal The Sun, tablóide de maior circulação na Grã-Bretanha, a dar um grande furo jornalístico, em agosto de 1996. Flecha de Lima contou que a princesa Diana e o príncipe Charles iam se divorciar. Primeiro, Beth deu a informação no Jornal Nacional e, em seguida, ligou para o jornal britânico. No dia seguinte, apenas o Sun tinha a notícia – impressa em letras garrafais na primeira página.
O trabalho glamoroso, a rica vida cultural, o convívio com os amigos, as viagens, a vida familiar… tudo ficou suspenso depois do acidente. Em conseqüência do impacto, Beth Lima quebrou a perna esquerda e feriu a cabeça. A polícia fechou imediatamente a área e, em poucos minutos, surgiu um helicoptero que a transportaria para um hospital especializado em neurologia. Lá, se submeteu a duas cirurgias na cabeça. Passou a se locomover em cadeira de rodas, ao mesmo tempo em que se submetia a longas sessões de fisioterapia, para voltar a andar.
Um mês depois, já inicio de 2007, foi transferida para o renomado Wellington Hospital, um dos maiores hospitais particulares da Europa, no exclusivo bairro de St John’s Wood. Ali, cercada de árvores, recebendo esmerada assistência, com a solidariedade de Stephen, Sebastian e dos amigos, Beth Lima, ao longo de cinco meses, completou sua recuperação.
Hoje, faltando pouco para completar 10 anos do acontecimento que transformou sua vida para sempre, Beth Lima não só está completamente recuperada, mas anda cheia de energia: “O acidente mudou a minha vida para melhor. Troquei de casa – agora, moro na área central de Londres, perto da Catedral de Westminster -, e até de profissão: compro e vendo imóveis e antiguidades. Eu me sinto mais livre, faço meu próprio tempo, trabalho no meu ritmo. Tenho muito mais tempo para ler – o que mais gosto de fazer.” E da telinha, você não sente falta? “Acho que saí na hora certa, porque a TV mudou. Os jovens já não veem televisão. Eles estão ligados na internet, online. A onda agora é Netflix, Hulu.”, respondeu ela, antes de embarcar de volta para Londres – ponte aérea que vem fazendo, anualmente, há quase 40 anos. No ano que vem, tem mais.