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Dez anos depois da morte do Nobel de Literatura Gabriel Garcia Marquez, o mundo ganha mais uma obra, a última, do extraordinário escritor colombiano, o romance “Em agosto nos vemos”.
Mas, se dependesse do autor, o livro nem existiria. Garcia Marquez queria que fosse destruído, porque considerava que sua obra final não tinha a qualidade necessária para ganhar vida, por isso os originais deveriam ser queimados.
Os dois filhos do autor, no entanto, decidiram contrariar o pai, depois de constatarem que a obra tem sim o seu valor.
‘Em agosto nos vemos’ completa a trilogia sobre amores na idade madura, e teve lançamento simultâneo no mundo inteiro.
Leia o artigo de O Globo:
Ao levar adiante a publicação póstuma de “Em agosto nos vemos”, obra inédita de Gabriel García Márquez (1927-2014) que chegou ontem(6), dia em que o escritor completaria 97 anos, às livrarias de todo o planeta, os herdeiros tiveram que desobedecer uma ordem expressa do Nobel de Literatura colombiano.
Antes de morrer, Gabo deixou claro para a família que faltava qualidade ao romance e que seus originais deveriam ser queimados. Dez anos depois, os filhos Gonzalo e Rodrigo García Barcha consideraram que o mundo precisava conhecer a única narrativa completa ainda inédita deixada pelo lendário autor.
Caberá agora ao leitor julgar se a decisão foi correta ou não. O certo é que “Em agosto nos vemos” tem, no mínimo, um valor histórico na obra de García Márquez. O romance fecha uma trilogia “sobre o amor na idade madura”, que se iniciou com os romances “Do amor e outros demônios” (1994) e “Memória de minhas putas tristes” (2004).
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Desta vez, Gabo conta a história de Ana Magdalena, uma mãe de família que viaja todo mês de agosto para visitar o túmulo da mãe. Certa noite, ela cede aos avanços de um homem no bar do hotel em que está hospedada. A partir daí, sua vida muda completamente. A cada mês de agosto, ela escolhe um amante diferente, esquecendo nesses prazeres as “obrigações” com marido e filhos.
Sem pressão
Em entrevista coletiva com veículos de imprensa de diversos países, incluindo o GLOBO, os irmãos Gonzalo e Rodrigo explicaram ontem as razões que os fizeram mudar de ideia. Eles garantem que não houve nenhuma pressão editorial, comercial ou institucional para que salvassem o texto da destruição.
— Este é um romance que Gabo abandonou no meio do caminho, depois voltou a ele, até que começou a perder a memória de vez — afirmou o cineasta Rodrigo García Barcha. — Ele dizia que o livro não tinha sentido e estava todo bagunçado. Seguimos as suas indicações, mas quando o lemos (anos depois) nos pareceu que o livro era muito melhor do que recordávamos.
Os filhos começaram a suspeitar que, assim como os problemas de saúde de Gabo haviam tirado a sua capacidade de escrever, também poderiam ter comprometido a sua lucidez para julgar o que havia escrito.
— Se ao tomar essa decisão (de destruir o livro), ele estivesse em suas melhores faculdades mentais, esta edição certamente não teria existido — continua Rodrigo.
Editores e herdeiros garantem que a versão deixada por Gabo não recebeu nenhum acréscimo na publicação — com exceção, é claro, do trabalho normal de edição. As alterações em relação ao original estão detalhadas em um dos textos de apresentação do livro.
Muitos aspectos curiosos da narrativa de “Em agosto nos vemos” chamam atenção logo de cara. Um deles é o uso de referências contemporâneas, como o cartão eletrônico que abre o quarto de Ana Magdalena, que mostram o olhar de Gabo sobre um tempo próximo do nosso. Outro é o protagonismo feminino, com uma personagem se libertando e explorando seus desejos sexuais.
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— Não havia um discurso feminista na nossa casa, mas havia exemplos (na prática) — diz Gonzalo. — Minha mãe sempre foi uma pessoa com personalidade forte, que expressava seus pontos de vista. Meu pai sempre teve muitas amigas mulheres, que admirava.
Desfecho polêmico
Talvez o ponto mais polêmico do romance póstumo seja o seu desfecho, ou melhor, a ausência dele. O fim da narrativa pode parecer abstrato, aberto demais para alguns leitores. Durante o processo de edição, conta Rodrigo, houve quem desconfiasse de que Gabo não tivesse concluído o texto. Mas a dúvida foi desfeita pelo editor Cristóbal Pera, que trabalhou próximo do autor.
— Cristóbal chegou a trazer essa dúvida para Gabo quando ele estava ainda em vida, trabalhando no manuscrito — conta Rodrigo. — E Gabo disse que, sim, havia um final.
De acordo com Rodrigo, Gabo tinha por regra destruir todos os livros que não terminava, o que indica que os originais de “Em agosto nos vemos” estavam, de fato, completos. Afinal, o autor não deixou nenhum texto incompleto inédito.
— Ou ele trabalhava até o fim, ou destruía o que não acabava — diz Rodrigo.
Outro desejo do autor foi descumprido. Gabo também tinha dito ao morrer que não queria adaptações visuais de sua obra, mas está prevista para este ano a estreia no streaming de “Cem anos de solidão”, na Netflix.
‘Em agosto nos vemos’. Autor: Gabriel García Márquez. Tradutor: Eric Nepomuceno. Editora: Record. Páginas: 132. Preço: R$ 59,90.
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