Cidade Madura é um programa do governo da Paraíba, já implantado em seis cidades, inclusive a capital, que contempla pessoas de baixa renda com mais de 60 anos. Eles e elas vivem em um condomínio com toda segurança, áreas de lazer e assistência médica. Foi um dos primeiros do gênero criados no Brasil.
Seus 300 moradores foram submetidos recentemente a exames para detectar o novo coronavírus. Todos testaram negativo e seguem à risca as normas de segurança, aderindo à quarentena.
O jornalista Gustavo Werneck mostra nesta reportagem, publicada pelo jornal Estado de Minas, como o lugar funciona bem e poderia ser replicado em outros estados brasileiros, já que a população idosa no país cresce rapidamente.
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Ver o mar, pisar a areia fina da Praia de Cabo Branco e sentir a brisa do Oceano Atlântico. São esses alguns desejos da paraibana Hélia Gomes Moreira, de 75 anos, para realizar tão logo termine o confinamento imposto pela pandemia do novo coronavírus. Natural da cidade portuária de Cabedelo (PB) e moradora da capital, João Pessoa, onde chegou criança, a aposentada aprendeu, desde o início das determinações das autoridades, com foco especial nos idosos, que ficar o tempo todo em casa não está entre os prazeres terrenos.
“Gosto de ir ao shopping, comer em restaurante, fazer umas comprinhas. Mas daqui a pouco nem sei como será o comércio”, lamenta, sem perder o humor, a residente no condomínio Cidade Madura, programa habitacional criado em 2014, considerado, pelas suas características, pioneiro e inédito no país e dirigido exclusivamente a pessoas com idade a partir de 60 anos.
“Nadar, eu já não nado mais. Mas gosto muito do mar”, conta Hélia, que segue as orientações para evitar a COVID-19: fica em casa, não recebe visitas e sai de máscara só para ir à fisioterapia ou ao supermercado, perto de casa. No condomínio, onde vivem 40 pessoas e não há tutela do governo, embora seja fruto de política de Estado, as medidas para o isolamento social se tornaram mais rígidas, incluindo, agora, orientações do Ministério Público da Paraíba à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano. Embora o Cidade Madura não tenha nada a ver com asilo, as preocupações aumentaram a partir de óbitos em instituição de longa permanência para idosos, em João Pessoa.
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Na conversa por telefone, Hélia reforçou a necessidade de manter distância e a certeza de que o pesadelo vai passar “lá pra julho”. Do período atual, vão ficar algumas lições, entre elas a mudança em hábitos alimentares, acredita. Nas refeições, excluiu condimentos, salgados e doces. “Estou preferindo comidas mais light, mas não abro mão do feijão, todo dia. Se vier o ‘baião de dois’, melhor ainda”, destaca o prato nordestino que mistura arroz e feijão e ganha o queijo coalho, na região, como terceiro elemento saboroso.
Quem também quer ver o mar, mais especificamente a Praia de Tambaú, é a viúva Geisa Trigueiro de Lima, de 79, matriarca de família numerosa: seis filhos, 13 netos e seis bisnetos. “No dia em que liberarem, já avisei: vou pegar o primeiro ônibus, um que passa aqui às 4h e vai direto a Tambaú. Na volta, me deixa aqui na porta. Se o motorista for rápido, gasta de 10 a 15 minutos.”Geisa não esconde o gosto pela vida social e a satisfação de almoçar na casa de um filho, ir a um restaurante na companhia de familiares e passear com os amigos.
“A pior coisa do mundo é arrumar a mesa para uma pessoa almoçar ou jantar sozinha. Mas estamos presos, né? Fazer o quê? Resta esperar”, diz, buscando se tranquilizar na fé em Deus.
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Cheia de energia, já se acostumou a tomar café da manhã sem companhia e cozinhar apenas para ela mesma. “Felizmente, aqui no condomínio, não tem ninguém com essa doença.”
Sem respostas “O senhor sabe me dizer quando essa quarentena vai passar?”, pergunta, ao repórter, a enfermeira aposentada Maria Matias Ferreira, de 73, também moradora do condomínio residencial Cidade Madura. Ao ouvir um reticente “ninguém sabe”, ela acrescenta: “Pois é… ninguém sabe, mas vai passar, se Deus quiser”.
Natural de Condado, no sertão da Paraíba, Maria cresceu em Patos antes de chegar a João Pessoa. Casou-se, teve 11 filhos, dos quais criou três, separou-se do marido, e aí vieram seis netos e quatro bisnetos. Pelo ofício que desempenhou por décadas, Maria sabe que o período de isolamento social exige muita atenção, ainda mais para ela que tem problemas de saúde, notadamente cardiopatia.
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Com limitações para locomoção, devido a uma lesão na perna, Maria está impedida de receber visitas, a exemplo dos vizinhos, mas conta com a ajuda de um neto encarregado das compras no supermercado. “Tem também o Uber e, se precisar, o rapaz do supermercado traz as compras e deixa no condomínio. Proteção é o mais indicado neste momento.” Mesmo sem as respostas que ninguém tem, a paraibana se declara feliz no local onde encontrou esperança. “Gosto muito de ficar em casa. Por isso, não está tão difícil o isolamento”, explica a senhora residente no local, sozinha, desde 30 de junho de 2014.
O programa Segundo a gerente executiva de Proteção Social Básica da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba, a assistente social Gilmara Andréa de Oliveira, o Cidade Madura não tem tutela do Estado, e, devido à quarentena, houve restrições. “Não podemos impedir que as pessoas saiam de suas casas, pois não somos responsáveis por elas. Alguns moradores ficam chateados com o isolamento social, mas é fundamental que não recebam visitas, permaneçam em casa como todos estão. Houve distribuição de máscaras junto de orientações”, afirma Gilmara. Da mesma forma, foram suspensas as atividades físicas e outras coletivas, também como medida para evitar o contágio do novo coronavírus.
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De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Humano, a Paraíba tem mais cinco condomínios além do de João Pessoa: nas cidades de Campina Grande, Guarabira, Sousa, Patos e Cajazeiras. No total, 295 moradores. Cada um tem 40 unidades habitacionais, com as adaptações na acessibilidade necessárias às pessoas idosas. Entre os critérios de ingresso no programa estão ter renda de um a cinco salários mínimos, autonomia física e financeira para a vida independente, bem como ter familiares, estar com 60 anos ou mais e residir no estado Paraíba há pelo menos dois anos.
Gilmara explica que o programa é política de governo sob a Lei 11.260 de 29 de dezembro de 2018, mas foi instituído em 2014 por meio de decreto estadual. Os idosos que ingressam podem ser desligados do programa em algumas situações, como perda da autonomia no autocuidado para a vida independente, desistência própria ou descumprimento de seus de- veres. “As unidades habitacionais pertencem ao governo do estado, e é feito um termo de cessão de uso. Os residentes pagam o condomínio no valor de R$ 50 mais as taxas individuais de água e luz”.
E mais: o condomínio conta com centro de vivência, núcleo de saúde para atendimento básico aos idosos, guarita com policiais, sala de reunião e para leitura, academia de ginástica ao ar livre, redário, pista para caminhada e horta comunitária.
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