Márcia Lage
50emais
Como abordar com um amigo ou parente os sinais de que ele precisa consultar um psiquiatra ou um geriatra antes que surte ou desenvolva doenças como Alzheimer ou Parkinson?
Imediatamente somos taxados de preconceituosos, impacientes ou mal-educados. Ferimos suscetibilidades. Somos bloqueados. Ganhamos inimigos.
Eu mesma não aceito etarismo, mas há um ponto entre a advertência amigável e a intolerância. É preciso dar crédito a quem nos observa. Costumam dar conselhos importantes.
Tenho a impressão que as pessoas estão falando mais e descontroladamente. Pesquisei sobre a mania de alguns idosos repetir histórias, colocar a vida dos outros acima da sua nos bate-papos ou vangloriar-se do que fez no passado.
Todas as respostas que obtive estão relacionadas a perdas cognitivas, de memória, depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsívo, déficit de atenção. Inicio de demência senil.
Essas pessoas vão ficando inconvenientes, incapazes de manter um diálogo que permita a interação. Não escutam o outro e nem se escutam. Mais parecem um disco arranhado (só quem passou dos 50 sabe o que é isso) emperrando a agulha do raciocínio e impedindo a execução da música até o final.
Sofro muito com esse tipo de gente. Por ficar impaciente com o falatório e não saber como agir. E mais ainda por receio de ser igual.
Gostaria que me alertassem. Prefiro fazer voto de silêncio para toda a vida do que ser esse caudal de palavras cuspidas na orelha do outro. Alguns até seguram o pobre do ouvinte, como se estivessem se afogando.
Por observação própria (não de todo desprovida de validação comportamental) tenho reparado que as pessoas idosas que falam pelos cotovelos sempre falaram pelos cotovelos. Têm enorme necessidade de aceitação e pouco repertório de vida.
São aquelas que repetem seus feitos da juventude, para cobrir a lacuna das poucas realizações depois dos 50/60 anos. Pararam no tempo. Ficaram saudosistas.
As mulheres cujos filhos saem de casa começam a relembrar da infância deles, numa tentativa desesperada de preencher o ninho vazio.
Os homens que se aposentaram e não inventaram nada para fazer repassam sua trajetória profissional como se estivessem numa entrevista de emprego.
É duro ser ignorado, essa é que é a real. Ter todo esforço para chegar à terceira, quarta, quinta idade desconhecido da maioria.
Daí a vontade de contar tudo, mostrar fotos, artigos, diplomas, exames de saúde, tragédias, doenças, lutos, bravatas gloriosas ou sem glória. Eu existo, eu tenho valor, repetem os velhos para ouvidos moucos.
De fato. nem todos chegam à velhice com um legado muito representativo, por mais que tenha trabalhado. A fama é para poucos.
Na família, no entanto, todo pai é um herói, toda mãe é uma benção e todo avó e avó são arte rupestre a ser desvendada. Não é preciso dizer muito. O exemplo vale mais que mil perdigotos na cara do interlocutor.
Toda vida vale uma biografia. Escrevê-la, talvez, num diário guardado numa gaveta secreta, seja um bom exercício para a memória e um documento importante para os descendentes entenderem suas heranças genéticas. Vai dar ao falante compulsivo uma ordenação mental mais proveitosa para ele e menos sacrificante para os ouvintes.
O fato é que tenho prestado muita atenção em mim e nos meus amigos e acho que a solução para nós é não estacionar no tempo.
Continuar lendo, acompanhando os noticiários, indo ao cinema, ao teatro, vendo seriados e documentários nos streamings, viajar, sair de casa, ter sonhos, planos, projetos, praticar esporte, malhar o corpo e a mente.
Só assim diversificaremos nossos assuntos e seremos comunicativos e simpáticos, sem querer ser o centro das atenções.
Antes de contar uma velha história para alguém, vale a pena perguntar: “Já te falei disso”? Atalha a conversa e evita irritar o outro que, se é seu amigo ou parente, já sabe da sua vida de cor e salteado.
Poupe-o de ter que lhe recomendar um psiquiatra ou um geriatra. Por conta própria, coloquemos esses dois profissionais nas nossas vidas, para nos ajudar a envelhecer. Isso já facilita muito a travessia.
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