Maya Santana, 50emais
Esta é uma história humana. O caso de um homem que se viu, de repente, sem a mãe de seus dois filhos, a mulher que esteve ao seu lado por quase 20 anos e com quem vivia na maior harmonia. Uma mulher que até então nunca havia tido problemas de saúde. Repentinamente, aos 41 anos, foi acometida de uma doença rara que a consumiu em poucos dias. Ele estava viajando. Esta matéria da BBC Brasil mostra como o viúvo, 57 anos, achou uma forma sadia de lidar com a perda da mulher que ele tanto amava.
Leia:
Como lidar com a morte inesperada de uma companheira que caminhou 19 anos ao seu lado?
Gary Andrews, de 57 anos, se viu diante desta questão quando sua esposa Joy, de 41 anos, morreu subitamente há quase um ano.
O britânico descobriu que, para ele, a resposta é desenhar – uma ilustração por dia, para ser mais preciso.
Animador e ilustrador, Gary trabalhou para a Disney e para a série britânica Fireman Sam. Ele estreou seu diário de ilustrações, que compartilha nas redes sociais, em 2016, quando completou 55 anos.
Na era digital, ele diz que sentia falta de rabiscar o papel com a caneta, assim, resolveu “fazer disso um hábito”.
“Antes de dormir, criava pequenos desenhos baseados em algo que havia acontecido naquele dia”, conta.
Mas essa rotina ganhou um significado maior quando sua mulher, com quem ele vivia em Surrey, no Reino Unido, com um casal de filhos, morreu de sepse.
Morte repentina
A semana tinha começado com Joy acenando para ele no Aeroporto de Heathrow, em Londres, quando embarcou para uma viagem de trabalho para o Canadá.
Após se sentir mal por alguns dias com sintomas semelhantes aos de uma gripe, Joy foi levada ao hospital na quinta-feira com suspeita de infecção nos rins, mas sua condição piorou rapidamente.
Na sexta-feira, às 3h15, ela morreu de falência múltipla dos órgãos causada por infecção generalizada. Gary, que estava na sala de embarque do aeroporto em Vancouver à espera de um voo de emergência, foi avisado quando pousou no Reino Unido.
Ele havia perdido a mulher com quem estava casado havia tanto tempo, a pessoa que ele descreve como sua melhor amiga e mãe de seus dois filhos – Lily, então com 10 anos, e Ben, que estava com sete.
Os desenhos eram algo que eles costumavam compartilhar.
“Quando Joy morreu, virou uma espécie de terapia para mim.”
“Pensei que deveria continuar porque costumávamos fazer isso todas as noites, então, depois que ela morreu eu não quis parar, porque representa quem eu sou e me ajuda a pensar sobre o que aconteceu naquele dia.”
Busca por sentido
As ilustrações geralmente reproduzem a presença de Joy – e, segundo ele, desenhá-la é mais reconfortante que difícil.
“Fecho os olhos e a vejo”, conta.
“Ela é muito presente o tempo todo em nossas vidas, em nossas conversas, então, desenhá-la parece simplesmente muito natural.”
“Eu a desenhei nos últimos 20 anos”, completa.
Um desenho que guarda uma lembrança particularmente forte para ele é o que ilustra o dia da cerimônia que organizaram para celebrar sua vida e se despedir.
“Esse é o único que eu fiz às lágrimas”, diz ele. “Acho que chorei o tempo todo em que estava desenhando, mas precisava fazer isso.”
Enquanto ele compartilhava as ilustrações nas redes sociais, sua família e amigos puderam acompanhar como ele estava lidando com a morte de Joy.
“Eles gostaram porque mostravam como eu estava, meu estado de espírito”, avalia.
Era outra forma de comunicação. Ele costumava receber telefonemas se postasse alguns em sequência, o que deixava as pessoas preocupadas.
Ele diz que se não fossem as ilustrações, não teria uma válvula de escape para seus pensamentos.
“O grande lance do desenho é que uma vez que está no papel, o pensamento se esvai.”
“Você consegue botar para fora e deixar passar. Se é um pensamento triste, negativo, eu coloco no papel e deixo sair. Meio que libera tudo, e aí você pode seguir em frente.”
As ilustrações, feitas em cadernos que ele guarda em uma prateleira em ordem cronológica, também foram terapêuticas para os filhos – que, segundo ele, “adoram vê-las”.
“Lily costuma pegar os desenhos na prateleira e rever os antigos. É lindo que eles possam olhar para trás e usá-los como uma lembrança.”
“Eles riem das coisas engraçadas que fizeram juntos e veem as imagens da mãe.”
Processo de cura
Gary vê isso como uma ferramenta importante para documentar não só as fases divertidas da vida, mas também os momentos de dor.
“Pode ser apenas um dia em que meu filho diz algo estúpido – e isso vai acabar no desenho”, explica. “É importante poder rir da tristeza.”
“A vida continua, precisa continuar. Tem de ser tão boba e engraçada quanto antes.”
Gary tem mais de 30 mil seguidores no Twitter e conta que observou uma reação “universalmente adorável” aos seus desenhos, o que mostra como ele tocou as pessoas.
“As pessoas que estão no mesmo barco me veem escrevendo, desenhando coisas, que se relacionam com algo que está acontecendo em suas vidas, que talvez não tenham sido capazes de articular”, analisa.
“Ou elas veem algo que está acontecendo com elas e percebem que não estão sozinhas.”
“Eu tinha o melhor relacionamento”, diz ele. “Foram 19 anos fantásticos. Eu era o cara mais sortudo. O universo decidiu que eu não teria mais isso, mas algo bom precisa sair disso.”
À medida que o aniversário da morte da esposa se aproxima, será que Gary vai ser capaz de continuar produzindo um desenho por dia?
“A interação com as pessoas tem sido maravilhosa”, diz ele. “É bom saber que existe uma comunidade lá fora, e que algumas pessoas estão encontrando conforto nisso.”
“Não vejo por que eu pararia. Adoro fazer isso. Adoro colocar meu dia em um pedaço de papel”, resume.
O que é sepse?
A sepse é uma resposta sistêmica do organismo a uma infecção, que pode ser causada por bactérias, vírus, fungos ou protozoários.
Quando não diagnosticada e tratada rapidamente, ela pode comprometer o funcionamento de um ou vários órgãos do paciente e levar à morte.
A organização britânica UK Sepsis Trust, que se dedica a informar sobre a doença e a ajudar pacientes, lista seis sintomas que devem servir de alerta:
- Fala comprometida, arrastada, tontura
-Tremores extremos ou dores musculares - Baixa produção de urina (passar um dia sem urinar)
- Falta de ar grave
- Sensação de que pode morrer
- Pele manchada ou pálida