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Rita Mesquita começou a se interessar pela natureza ainda menina e o interesse só cresceu ao longo da vida, como ela conta nesta reportagem de Camilla Freitas para o Uol. Mineira, mudou-se para a capital amazonense, Manaus, aos 22 anos, atraída pela floresta, e de lá não saiu mais. É uma história que merece ser conhecida por todo brasileiro que se interessa pela Amazônia, à qual, apesar de ocupar espaço enorme no país, conhecemos tão pouco. “Muita gente me perguntava sobre a necessidade de se ter ‘tanta’ área protegida. Existia um discurso parecido com aquele ‘tem muita terra para pouco índio’, as pessoas não entendiam a importância da conservação. Havia uma necessidade de uma educação popular.” Foi aí que ela aceitou a proposta de criar o Museu da Amazônia, Musa, em Manaus. “Eu vi uma oportunidade da gente criar um lugar de educação ambiental, de aproximação das pessoas com a floresta”, lembra ela.
Leia a reportagem:
“Fui uma criança criada em um apartamento em Belo Horizonte. Não tinha nem mesmo um jardinzinho para brincar. Mas você sabe como é mineiro, quando chegam as férias, vai todo mundo para a praia, e eu ia junto com a minha tia. Lá, conseguia ter um contato com a natureza. Na escola também. Eu era uma criança agitada e fugia para uma horta, perto da capelinha do colégio de freiras salesianas onde estudava, para ter esse contato.
E tem meu pai, que era tipo um caubói. Ele veio do interior de Minas, de uma cidade bonita chamada Serro. Ele trabalhava com gado e era a pessoa mais próxima da natureza na minha família. Todas essas influências despertaram em mim o interesse pela ciência. Até hoje eu coleciono pedras, conchinhas e sou incapaz de comer um alimento com caroço e não o enterrar.
São tantas as imagens na minha cabeça. Lembro, também, das brigas que tinha com meu irmão para ele não destruir os ninhos de passarinhos. Essa ideia de conservação do meio ambiente sempre esteve no meu DNA.
Não tem um super-herói da conservação, todo mundo pode contribuir. É apanhar o papel no chão, é jogar o lixo no lixo, é apagar a luz, sei lá. É ver que algo não está certo e querer fazer alguma coisa para consertar.”
Uma passagem para a vida
“Nossa, meu pai vai me matar”. Foi esse o pensamento de Rita quando recebeu uma passagem aérea pelo correio. “Antigamente você comprava a passagem em aberto e depois ia na agência marcar a viagem”, explica para os mais jovens.
Para entender o desespero de Rita é preciso voltar um pouco no tempo. Prestes a terminar a faculdade de ciências biológicas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rita de Cássia Guimarães Mesquita assistiu a uma palestra de Richard Bierregaard, especialista em ecologia e conservação.
Ao final do evento, ela o procurou e disse que tinha ficado interessada no tema. Bierregaard lhe entregou seu cartão e um convite informal para atuar como sua estagiária na Amazônia. Rita lhe escreveu – e a resposta veio com a passagem aérea.
“Eu fiz minha colação de grau em um dia e no outro fui para Manaus”, lembra. O que era para ser um estágio de seis meses se tornou uma vida inteira. Rita Mesquita, que chegou em Manaus com 22 anos, mora na cidade até hoje, 36 anos depois. Seu pai chorava ao telefone de saudade nos primeiros dois anos, mas acabou se convencendo de que a filha não voltaria mais.
Assim que terminou o estágio com Richard Bierregaard, Rita começou um mestrado em biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e, já no dia em que defendeu sua dissertação, embarcou para a Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, para o doutorado em ecologia de ecossistemas.
Atuando no poder público
Virgílio Viana conheceu Rita na década de 1990. São tantos os caminhos cruzados em suas trajetórias profissionais que ele nem se lembra ao certo a ocasião. Mas se recorda muito bem da época em que trabalharam juntos. Quando foi chamado pelo governo do Amazonas para ser o primeiro secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do estado e teve como missão formar uma equipe técnica, não teve dúvidas sobre quem convidaria.
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“A Rita é muito competente, comprometida e honesta. O período em que trabalhamos juntos foi ótimo. Conseguimos fazer muitas coisas”, comenta Viana. O atual superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS) assumiu o cargo no governo do Amazonas em 2003, enquanto Rita começou a atuar como secretária adjunta de gestão ambiental em 2004. O trabalho dos dois terminou em 2008.
Nesse período, o desmatamento na Amazônia caiu substancialmente. Foi de 27,8 mil km² (cerca de 3,5 milhões de campos de futebol) em 2004 para 12,9 mil km² (cerca de 1,6 milhões de campos de futebol) em 2008. Esses números, apesar de serem referentes a todos os estados que contemplam a floresta amazônica, estão muito relacionados ao trabalho de Rita e Virgílio. Segundo dados do governo estadual amazonense, entre 2003 e 2008, foram 25 unidades de conservação criadas em uma área de mais de 9 milhões de hectares.
“Tenho muito orgulho do que fizemos nessa época porque até hoje isso é uma referência mesmo depois de tantos anos”, comenta Rita.
Plantando sementes gestoras
Depois de quatro anos no poder público, Rita Mesquita percebeu que a maior dificuldade não era delimitar áreas protegidas, mas sim mantê-las. “Essas áreas precisam de gestão e os profissionais são formados para serem pesquisadores, não gestores”, explica.
Com essa reflexão, ela criou no INPA, em 2010, um mestrado de gestão de áreas protegidas, primeiro curso profissionalizante do instituto.
“Para mim foi um divisor de águas”, diz Nailza Pereira. Ela, que fez parte da turma de 2014, já atuava com conservação ambiental e queria enriquecer seu dia a dia de trabalho com as teorias que abordavam o assunto. “A professora Rita é uma referência de militante, de profissional, de pessoa que trabalha pelas áreas protegidas. Quando soube que o mestrado tinha sido idealizado por ela, foi uma garantia de que o curso ia ser de muita qualidade, e foi”, conta. Nailza trabalha hoje com o projeto LIRA (Legado Integrado da Região Amazônica), que está ligado a áreas protegidas nos estados do Acre, Rondônia, Pará e Amazonas.
Já a bióloga Daiane Chrysler começou o mestrado em 2021. Integrante do programa de voluntariado ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), no Pará, ela já consegue sentir a importância do curso em seu trabalho. “Sou agente de apoio à gestão de unidades de conservação e procurei o mestrado para melhor me preparar como gestora dos programas e para conhecer mais sobre o contexto dessas áreas protegidas.”
Musa da floresta
Rita rejeita o termo “especialista”. Na ciência em prol da Amazônia, ela faz de tudo um pouco. É preciso formar gestores ambientais? É preciso políticas públicas? Ela resolve. Assim como resolveu a necessidade de se criar um museu dentro da floresta amazônica.
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Como, segundo ela, nada é linear em sua trajetória, a história do museu segue em paralelo, ou em teia, como gosta de pontuar, ao mestrado do INPE. “Quando eu estava no governo do Amazonas, muita gente me perguntava sobre a necessidade de se ter ‘tanta’ área protegida. Existia um discurso parecido com aquele ‘tem muita terra para pouco índio’, as pessoas não entendiam a importância da conservação. Havia uma necessidade de uma educação popular”, conta.
Foi pensando na divulgação científica e na educação que Rita aceitou a proposta de atuar na equipe que fundaria o Museu da Amazônia, o MUSA, em Manaus. “O INPA tinha uma área na reserva Adolpho Ducke e lá tinha um jardim botânico desde 2000, mas ele estava muito desestruturado. Ali, então, eu vi uma oportunidade da gente criar um lugar de educação ambiental, de aproximação das pessoas com a floresta”, lembra a bióloga.
E assim foi feito. Além de exposições, o MUSA mantém a área do jardim botânico, trilhas, um laboratório experimental e a famosa torre de observação onde os visitantes podem contemplar a floresta amazônica a 42 metros de altura.
Ainda pensando na divulgação científica, em 2016, Rita foi convidada a assumir a coordenação do programa de extensão do INPA, cargo que ocupa até hoje. Dentre suas funções estava a gestão do Bosque da Ciência do instituto. “Antes disso, eu tinha iniciado uma cooperação internacional com o Japão para a criação de mais um museu na floresta voltado para a divulgação científica, para o turismo na floresta”, conta a bióloga.
Uma coisa se uniu com a outra, e o Bosque da Ciência ganhou nova feição. Antes da pandemia, segundo Rita, o espaço atraía de 100 mil a 120 mil visitantes por ano, sendo uma das áreas mais visitadas do Brasil.
“A ideia é aproximar o INPA, enquanto instituto de pesquisa, do povo. O Bosque é principalmente visitado por moradores de Manaus. E cumpre o papel de influenciar e impactar localmente. Não é uma área para inglês ver, mas o inglês pode vir aqui ver também. Nosso foco é a divulgação científica para toda a população”, finaliza.
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