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A expressão “tempestade perfeita”, extraída do inglês “perfectstorm”, é muito usada por economistas para descrever situações em que os fatos convergem para um fenômeno desastroso. É um jargão útil para caracterizar o que acontece hoje com os profissionais acima de 50 anos no mercado de trabalho brasileiro: o tradicional preconceito contra a idade soma-se às restrições ao chamado grupo de risco na pandemia da covid-19 e à recessão econômica para derrubar as chances dos mais velhos de se manterem como mão de obra ativa.
Excluídos das oportunidades de exercer seu ofício, os trabalhadores desse segmento acumulam não apenas frustrações existenciais, mas também dificuldades concretas para sustentar sua autonomia financeira e sua dignidade. A expulsão gradual, mas constante, do universo do trabalho é um fenômeno que tem facetas cruéis para aqueles que se iniciaram profissionalmente na juventude e veem as portas se fecharem quando atingem a maturidade.
A dura realidade é que ninguém – ou quase ninguém – os quer mais. Caem por terra, na prática, os argumentos de que é nessa etapa de vida que as pessoas poderiam contribuir com sua experiência e seu conhecimento para empresas e instituições. O que se pode constatar é que os empregadores tratam de empurrar porta afora aqueles que consideram fora dos padrões etários, como se a juventude fosse eterna ou a maturidade, inútil.
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Há números que confirmam esse quadro, embora esse contexto seja visível a olho nu, no contato com parentes mais velhos, amigos e com o exemplo mais próximo possível: nós próprios, aqueles que já pisamos a linha que nos separa do “doce pássaro da juventude”, para citar o título instigante da peça de Tennessee Williams. Também é verdade que existem exceções e uma luz que pode indicar uma saída para o futuro.
No campo negativo, como noticiou o jornal O Estado de S. Paulo, no final do ano passado, os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostraram que as admissões de pessoas com mais de 60 anos atingiram apenas 70% da média de anos anteriores. Em outras palavras, ficaram 30% abaixo do nível registrado nos anos de 2012 a 2019. As contratações de jovens até 25 anos, ao contrário, foram até mais elevadas do que antes.
É como se a pandemia, com seus riscos efetivamente mais acentuados para as pessoas acima de 60 anos, tivesse contribuído para que esse segmento perca de vez o fio da meada no mundo do trabalho. Afinal, um ano ou mais sem exercer nenhuma atividade profissional comprometem a capacidade de as pessoas mais velhas acompanharem a evolução das novas tecnologias adotadas no ambiente produtivo, retirando-lhes a confiança de que ainda podem participar de forma ativa nesse mundo.
Há exceções, claro. O mesmo Estadão noticiou que a Gol mantém há mais de três anos um programa voltado para a contratação de pessoas com mais de 50 anos. Uma parcela de 13% dos 15 mil empregados da empresa já estaria nessa faixa etária. O verbo no condicional se justifica pelo agravamento do quadro econômico desde então, graças à conjugação nefasta da falta de vacinas contra a covid e do relaxamento dos cuidados para a prevenção da doença.
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A retomada da economia brasileira, que parecia promissora, foi em grande parte abortada, o que atingiu em cheio aqueles que não são alvo das atenções do mundo empresarial, ou seja, os mais pobres e os mais velhos. Isso tudo num país em que a parcela de pessoas com mais 60 anos representa hoje 16% da população, de acordo com o IBGE. Em 2050, serão 30% do total, ou 68,1 milhões de brasileiros.
É claro que não é possível ignorar um contingente dessa dimensão. O que falta não são apenas políticas de estímulo ao emprego de pessoas na maturidade, como tem feito o Japão, um dos países com a população mais longeva do mundo. Falta também combater o preconceito, perceber que é possível revertê-lo não apenas com disposição pessoal, mas também com a mobilização coletiva, a participação em grupos organizados e a discussão de propostas que nos façam vislumbrar um futuro menos assustador.