Maya Santana, 50emais
Comecei a fumar quando tinha oito anos de idade. Via meu pai tragando e achava lindo quando soltava a fumaça pelo nariz. Minha mãe também gostava de um cigarro. Ele fumava em qualquer lugar. Ela dava suas tragadas apressadas, escondido dele e de nós, normalmente, atrás de alguma árvore no quintal. Quando mais velha, sofreu as conseqüências de fumar tão depressa. Como sabia que poderia ser surpreendida por um de nós, dava baforadas profundas e rápidas. Num instante consumia um cigarro. Mesmo que a gente não presenciasse, sabíamos sempre quando havia se curvado ao vício: o odor a denunciava. Aquele cheiro forte impregnava as roupas, o cabelo e o hálito. Depois dos 70 anos, ela começou a ter problemas no pulmão. Passou a sofrer de angina. Mas fumou até o momento final.
Todos os filhos, com exceção da minha irmã mais velha, aderiram ao mau hábito. Quando nos reuníamos ao redor da mesa comprida, na sala de jantar, era um “fumacê” geral, todo mundo com o cigarro entre os dedos. A minha história com esse costume tão nocivo, como disse no início, foi inaugurada muito cedo. Primeiro, com talo da parreira de chuchu. Ainda menina, descíamos eu, minha irmã mais nova e outra três anos mais velha, para brincar e “pitar”.
O quintal era grande o suficiente para que ninguém avistasse a gente. Disfarçávamos com nossos “pitos caseiros” atrás dos pés de café, plantados por meu pai. Antes, com uma tesoura, cortávamos a haste da parreira de chuchu, que tem muitos orifícios por dentro. Protegidas pelo cafezal, ateávamos fogo naquilo e aspirávamos a fumaça. Ficávamos ali, nos sentindo “empoderadas”, imitando a idiotice dos adultos.
Tínhamos uma vizinha cujos pais eram donos de uma “venda”. Ela vinha se juntar a nós nas brincadeiras e trazia cigarros debaixo da blusa, geralmente, Mescla Dourada, daqueles mais longos, ou Continental sem filtro. Logo, largamos o chuchu e passamos para o tabaco. Um dia, fumamos tantos cigarros um atrás do outro – eu fumei cinco -, que passamos mal. Minha mãe chamou o médico. Ficamos caladinhas. Nada de dizer que o mal estar era fruto da peraltice.
Fui crescendo e levando comigo aquela “escravidão”. Desde o amanhecer, de tempos em tempos, o corpo pedia para encher o pulmão de fumaça. Cheguei a fumar um maço por dia. Mesmo na Inglaterra, onde o preço é absurdo – Rothmans, por exemplo, o que eu fumava, custa hoje o equivalente a mais de 25 reais, porque cigarro lá é muito taxado. Segui fumando pela vida afora. Vi meu pai tornar-se senil e abandonar o cigarro sem perceber. De repente, não pedia mais o veneno que alimentava o vício. Às vezes, quando se mostrava mais agitado, a gente entregava a ele um cigarro, que era jogado fora, sem cerimônia.
Vi a minha mãe travar uma luta desesperada para se livrar daquela desvirtude. Passou a controlar o número de cigarros que fumava por dia. No final, junto com o café que levava para ela no quarto, todas as manhãs, acrescentava na bandeja um solitário cigarro. Várias vezes, ela teve que ser hospitalizada, com dificuldade para respirar. Voltava para casa… e continuava fumando. Cigarro cria um vício diabólico. Segundo Dr. Dráuzio Varella, de todas as drogas é a mais difícil de ser abandonada.
Testemunhei isso com o meu irmão mais velho, fumante inveterado, vítima de um AVC – Acidente Vascular Cerebral – aos 59 anos. Depois de acometido pelo derrame, ele se alheou do mundo. Passou a viver em uma realidade paralela, exigindo cada vez mais cigarro. Às vezes, vomitava. Antes de ser limpado, ele já estava com um cigarro aceso. Ficou tão dependente que sua compulsão tornou-se uma doença dentro da doença.
Eu ainda fumava. Cada vez menos, pois comecei a me sentir mal quando fumava e me revoltava com o que o vício estava fazendo com ele. Assistindo ao definhar do meu irmão, fui tomando aversão ao cigarro. A morte dele, de enfarto, em 2005, aos 61 anos, marcou o fim da minha longa carreira de fumante.