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Uma notícia que continua repercutindo: a polêmica decisão do ator Alain Delon de, aos 86 anos de vida, encerrar seus dias numa clínica na Suíça, onde mora, por meio da eutanásia, uma prática aceita somente em alguns países. A revelação foi feita pelo filho, Anthony Delon, em sua biografia, lançada recentemente na França. Desde então o assunto não sai da mídia. Na crônica de Martha Medeiros (“O direito ao sumisso”), que você vai ler, ela sai em defesa do astro francês. “Não se trata de incentivar aqui a desistência precoce, mas de respeitar o desejo de quem deu sua missão por encerrada,” diz ela.
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Já escrevi dois textos com esse mesmo título. Falava sobre o direito de viajar sem ter que mandar notícias a cada cinco minutos, sobre o direito de desconectar do trabalho depois do expediente, sobre o direito de desaparecer por um tempo, ficar inacessível. Sou obsoleta, ainda exalto a liberdade como se tivesse 17 anos.
Repito o título, pela terceira vez, agora para tratar de um sumiço mais radical. O ator francês Alain Delon, que sofreu um duplo AVC em 2019, enviuvou em 2021 e completou 86 anos em novembro passado, revelou à revista Le Point que cogita a eutanásia e que autorizou o filho a organizar sua saída definitiva de cena. Enquanto escrevo, nada ainda foi efetivado.
Também conhecido como suicídio assistido, o último ato consiste em abandonar voluntariamente uma existência atormentada, com acompanhamento médico e cercando-se de seus amores para uma despedida indolor. É tão censurável assim? Não se trata de incentivar aqui a desistência precoce, mas de respeitar o desejo de quem deu sua missão por encerrada, “…sem passar por hospitais, injeções e o resto”, como diz o ator. E o resto não é pouca coisa.
Perda da autonomia. Da independência. Da memória. Da lucidez. Qual o valor da longevidade para quem sobrevive apenas para manter suas funções vitais — comer, ir ao banheiro e dormir? Não é a duração da vida que importa, e sim sua qualidade, afirma Betty Milan em seu mais recente livro, “Heresia”. Eu relutaria em apoiar a antecipação da partida de uma pessoa jovem em dificuldade extrema, uma vez que ela ainda teria tempo para se beneficiar dos avanços da medicina e inaugurar uma nova forma de existir, mas a situação é diferente quando se atinge um ponto de não retorno. Sempre que algum doente terminal decide partir, é triste e chocante, como toda morte é, mas não considero covardia, egoísmo ou blasfêmia. Optar por interromper o sofrimento agudo causado pela decadência física e mental pode ser não apenas um alívio, mas também um ato de pudor.
Toda resistência é subversiva. Lutar por 10 minutos a mais de vida, mesmo em estado de dor, é uma bravura admirável. Mas respeito também aqueles que, depois de viverem bastante, resolvem descansar com a dignidade que julgam merecer, sem prorrogações.
Bélgica, Espanha, Suíça, Holanda, Luxemburgo, Canadá, Colômbia e alguns estados norte-americanos não proíbem a prática, desde que haja o desejo expresso do paciente. O Brasil ainda trata o tema como homicídio, sem considerar as particularidades de cada caso.
Quanto mais distantes ficam os meus 17 anos, mais celebro o livre arbítrio. Delon, que seja feita a sua vontade, Deus não vai atrapalhar. Aliás, anda sumido também.
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