Ingo Ostrovsky
50emais
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Uma matéria do jornal O Globo na semana que passou mexeu comigo mais do que as surpresas e decepções da cena política (que, alias, não foram poucas!). Na terça-feira 26.04 fomos lembrados que naquele dia, 70 anos atrás, circulou pela primeira vez a hoje extinta revista Manchete.
Quase posso dizer que deixei de ser analfabeto por causa de Manchete. Antes de mais nada, por causa do nome, sonoro, forte, com um cê agá com som de xis que fazia a alegria dos meninos da minha rua. Foi uma vitória poder ler aquele nome sem ajuda de qualquer adulto.
O responsável pela novidade era um ucraniano, veja você. Adolfo Bloch, conhecido nas rodas de política por mais de 50 anos como seu Adolfo, nasceu numa cidadezinha que ainda não apareceu no noticiário sobre a guerra, Zhytomir. Esse zê-agá pode ser pronunciado como jota. Era de uma família de gráficos e assim que chegou ao Rio, com 14 anos, começou a se dedicar ao ofício trazido da Europa Oriental. Não deu outra. O que ninguém na família sabia era que, além dos talentos revisteiros, seu Adolfo se revelou um farejador político de primeira linha. Construiu um império em cores vibrantes e papel brilhoso, mas nunca deixou o jornalismo de lado: cobriu como ninguém a morte de Getúlio em 1954, a ascensão de JK, a construção de Brasília e a deposição de João Goulart pelos militares, em 1964.
Como jornalista, estive pessoalmente com seu Adolfo apenas uma vez. Foi num jantar de trabalho na suntuosa sede da Editora Bloch na Praia do Russell, no Rio de Janeiro. Ele se encantou por uma colega minha e a paquerou bastante, jogando sobre ela – que resistiu bravamente, diga-se – todo o charme que trouxe da Ucrânia e todo o veneno que aprendeu no Brasil. Por fim, já sentindo que suas perspectivas de sucesso eram diminutas, do alto de seus quase 80 anos à época, encerrou com o seguinte galanteio, uma verdadeira pérola: “Minha querida, nunca faça amor de noite; é de manhã que começa a vida”.
Dito isso, sou obrigado a reconhecer que para mim a revista Manchete representou a descoberta da prosa, da crônica, dos escritos sobre o mundo, sobre o que não virava manchete. Olha só a turminha que escrevia naquela alegre revista enquanto eu me formava gente (segundo pesquisa do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas): Carlos Drummond de Andrade, Guilherme Figueiredo, Raimundo Magalhães Júnior, Rubem Braga, Joel Silveira, Orígenes Lessa, Marques Rebelo, Oto Maria Carpeaux, Manuel Bandeira, Lígia Fagundes Teles, Elsie Lessa, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e o ex-presidente Juscelino Kubitschek, entre tantos outros. Não é pouca coisa e eu só tenho a agradecer a esse pessoal pelo zelo e o entusiasmo com que se dedicavam à nossa língua. Aprendi muito!
A outra efeméride veio com a foto abaixo: há 50 anos era lançado “O Poderoso Chefão” um filme que ensinou muita gente – eu inclusive – a ver cinema e se maravilhar com uma certa maneira de contar uma história. O senhor ou a senhora podem até se lembrar de outros filmes feitos há 50 anos ou mais, mas esse, certamente representa muito. Eleito como um dos melhores filmes da história do cinema. Por isso, aliás, foi lembrado na recente noite do Oscar, cerimônia que acabou entrando na história por causa de um tapa na cara.
Dirigido por Francis Ford Coppola, na época com 32 anos, The Godfather (na verdade O Padrinho, em português) foi indicado a dez Oscars e levou três, Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator, este para o verdadeiro poderoso chefão, Marlon Brando. Nesta foto, feita 3 meses atrás, estão Robert de Niro, Al Pacino, Robert Duval, James Caan e duas atrizes, Talia Shire, irmã do diretor e Diane Keaton. E, claro, com suas meias roxas, o próprio Coppola.
O cinema nunca mais foi o mesmo depois de Poderoso Chefão, que rendeu duas continuações nos anos seguintes. E Manchete continua sendo para mim a fonte de todas as crônicas, a inspiração para o espaço que ocupei durante as últimas 60 semanas.
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