Márcia Lage
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Perdoar, fugir ou lutar? Essas três opções permeiam as profundas discussões das mulheres de uma comunidade menonista (um tipo de religião que prega a fé acima de tudo, a exclusão mundana e o desprezo pelas tecnologias) no filme “Entre Mulheres”, em cartaz nas boas salas de cinema do país.
Os homens da colônia agrícola estão presos, após terem sido denunciados por estupro e todo tipo de violência contra pessoas do gênero feminino, inclusive crianças. Da cadeia, pedem para serem perdoados e voltarem, enquanto as mulheres violadas começam a pensar pela primeira vez sobre os abusos e suas consequências.
O diálogo se passa no celeiro da colônia. É um novelo de lã embaraçado, que se vai desenrolando à medida que as reflexões avançam, entre acusações mútuas, abraços e acolhimento, fé cega e o desgosto de admitir que as mais velhas permitiram que seus filhos se tornassem o que eram, por falta de escolha, por medo, por ignorância.
Para manter as mulheres submissas, a educação na colônia era só para os meninos. Só os homens sabiam onde estavam. Elas não conheciam nada além de suas plantações, suas casas sem energia elétrica, seus ritos religiosos e a crença de que eram estupradas por demônios, que apareciam a cada deslize mínimo. Até o dia em que uma delas reconheceu o “demônio”. E o denunciou.
Então, a questão era: O que fazer com os homens? Como ir embora e deixar para trás os filhos maiores de 12 anos, já diplomados na escola de violência e abuso? Era possível perdoar tanta maldade? Uma delas diz que, se ficar, será assassina. Matará qualquer um que se aproximar dela e da filha pequena, e detalha os pormenores do seu desejo de vingança.
Outra, grávida de um abusador desconhecido, reflete sobre a maternidade e o amor e propõe que fiquem, mas com três condições: As mulheres não serão impedidas de estudar nem de pensar. Farão uma revisão da religião e a tornará mais oróxima dos ensinamentos de Cristo, ou seja, da solidariedade, respeito, justiça e não-violência. E os homens terâo que ser gentis e colaboradores.
Uma anciã responde: “Se nunca pedimos a eles nem um copo d’água, vamos pedir agora que nos amem e respeitem?” Risadas e choros vão amadurecendo os caminhos do debate, profundo, exaustivo, didático.
Há um homem no celeiro. O professor dos meninos, que fora banido da aldeia junto com a mãe, uma questionadora das regras machistas. Fez faculdade e voltou, bicho perdido entre a ignorância dos homens e o apartheid das mulheres. Estava ali para fazer as atas das reuniões e deixar registrado o momento da libertação daquelas almas. Para a reflexão dos homens que sabiam ler.
Vai ouvindo e aprendendo. Chora muitas vezes. Até que ajuda as mulheres a se decidirem. “Sumam daqui. Não voltem nunca mais. Levem todas as meninas e os meninos abaixo de 12. Eu prometo educar os demais com outros conceitos”. A câmera mostra na parede as atas penduradas, os desenhos, o conflito das mulheres entre sair e ficar. E a impossibilidade de compor com homens tão cretinos.
A diretora do filme, Sarah Polley, esmiúça nos diálogos uma pergunta que sempre nos fazemos quando vimos uma mulher ser morta ou violentada: Por quê? Como não perceberam? Como não fugiram? Como não denunciaram?
A solução que apresenta é que é preciso criar novos homens e colocá-los a redigir atas no celeiro das discussões femininas. Se um aprender e mudar, pode dar aulas aos demais. Sozinhas, as mulheres se protegem. Mas não transformam a realidade absurda de homens que ainda se comportam como no século XVI.
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Muito boa sua indicaçao, Márcia. Assisti e gostei muito. ?