Maya Santana, 50emais
Esta reportagem de Constança Tatsch para o Globo trata da onda grisalha, milhares de mulheres deixando de pintar o cabelo, que todos nós estamos assistindo. Foi-se o tempo em que a mulher se sentia obrigada a tingir as madeixas, porque cabelo branco era sinal de “desleixo”. Rompeu-se o ciclo e, hoje, cada uma faz o quer com seu próprio cabelo. Tentei deixar o meu natural, sem tinturas. Mas acabei voltando às tintas. Claro que há muita gente que, como eu, acha que ainda não chegou o momento. Sei que mais dia menos dia, vou cortar o cabelo bem curto e deixar os fios brancos tomarem conta, como é a tendência. A população vai envelhecendo rapidamente. Essa reportagem mostra, na verdade, que a aceitação do grisalho é apenas uma das facetas de uma revolução bem mais ampla no comportamento das mulheres.
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Os cabelos brancos eram coisa de vovozinha e uma geração conquistou o direito de pintá-los. Agora, décadas depois, mulheres passaram a abandonar a tintura em busca de liberdade e contra a pressão social pela juventude eterna.
— Para uma geração, hoje mulheres de 70, 80 anos, pintar o cabelo foi a grande revolução: de reconhecimento em um lugar social, o não confinamento à cadeira de balanço, ser a pessoa velha. Então quando falamos numa revolução dos cabelos brancos, é de uma geração muito mais jovem — afirma a antropóloga Débora Diniz, professora visitante na Universidade Brown, nos EUA.
Para a antropóloga, mais do que “Revolution Gray” (Revolução Grisalha), estamos vivendo uma revolução estética, composta por mulheres que não só querem deixar seus cabelos naturais, como provavelmente não vão fazer cirurgias reparadoras estéticas — a não ser as necessárias por conta de saúde — e vão aceitar rugas como marcas do seu reconhecimento geracional.
— É a afirmação da possibilidade da existência do próprio corpo sem a sua adequação a um único padrão de beleza feminino. A possibilidade de existir com o branco, a possibilidade de existir com as rugas, com o corpo com outras formas, foram conquistas do feminismo. Então, pode não ser uma atitude individual feminista, mas foi uma conquista do feminismo.
Cabelos longos e pintados
Enquanto na cultura latino-americana, e em especial na brasileira, a expectativa é de que a mulher não só tenha cabelos coloridos, mas longos, a própria Débora viveu sua dupla revolução: cortou curtinho e parou de tingir.
— É muito interessante porque as pessoas perguntam se eu “assumi os brancos” e eu digo “é, eu saí do armário”. Não é uma explicação irônica: sair do armário é, sim, sair de um confinamento estético para inúmeras possibilidades como cortá-lo curto e permitir que ele ficasse como a natureza quer na minha idade, aos 49 anos.
A antropóloga ressalta, porém, a importância disso não se tornar mais uma obrigação ou cobrança para a mulher. Cada uma decide se, como e quando quer pintar seus cabelos.
— As nossas conquistas individuais, comunitárias, feministas não são um ditame para todas as mulheres, de todas as gerações, em todos os tempos.
São as de 40, 50 anos que assumem os brancos
O cabeleireiro Fred Silveira, da rede Werner, de Ipanema, tem recebido muitas clientes querendo fazer a transição ou a manutenção dos brancos. Ele percebe uma questão geracional.
— Acho que é mais um ato de liberdade das mulheres. Algumas reclamam da tintura, acham um sacrifício e perda de tempo, e outras por curiosidade para ver como vai ficar. São as mulheres mais novas, com 40, 50 anos que assumem os brancos. Nunca vi as de 70, 80 virem para fazer a transição. É uma coisa da mulher empoderada, de atitude, de quem trabalha e é moderna.
Segundo Fred, o fio branco é poroso e indisciplinado, então é preciso hidratar mais. Além disso, ele recomenda ter um bom corte, mais moderno e arrojado, “para não ficar ultrapassado”.
Assumiu os brancos aos 58 anos
O cabelo é grisalho quando tem entre 30 e 50% de fios coloridos. Para ser branco, mais de 90% dos fios devem ser branquinhos mesmo. O cabeleireiro diz que o cabelo branco “é tão difícil” e não acontece só com quem tem idade: uma cliente sua de 36 anos só tem uma mecha escura na nunca.
Livres aos 30, 40, 50, 60…
Aceitar os cabelos brancos trouxe liberdade para a food stylist Lou Bittencourt, 60 anos, que encontrou os primeiros brancos aos 35 e, aos 40, começou a pintar. No começo, as raízes eram retocadas mensalmente. Nos últimos anos, se sentia obrigada a pintar uma vez por semana. Quando ia à farmácia, já comprava quatro tinturas, com medo que faltasse. Para não prejudicar o tom, abandonou a hidroginástica, que adorava.
Então, aos 58 anos, decidiu que não ia mais abrir mão das coisas por causa do cabelo e assumiria os brancos. Teve gente que disse para ela não fazer, mas estava decidida. Quando já estava com uns quatro dedos de raiz, fez mechas prateadas no cabelo inteiro para misturar um pouco a parte nova com a antiga e hoje tem a cabeça grisalha.
Eu estou gostando muito
— Mesmo quem dizia para não fazer, hoje diz que estou ótima. Me adaptei tanto, não pintaria de novo de jeito nenhum. É uma sensação de liberdade que não tem preço.
Atualmente, a dúvida de Lou é se corta curto e repicadinho ou deixa crescer. Ela tenta “fazer um contraste”, usando rímel, blush e batom o dia todo:
— Tem que compensar se não parece desleixo. Dizem que envelhece, mas em mim deu uma rejuvenescida porque o castanho escuro pintado ficava pesado, e tenho aquele cabelinho na testa, que sempre ficava estranho. Eu estou gostando muito.
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