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Márcia Lage
50emais
O excelente elenco de atores do filme Ângela – com destaque especial para Isis Valverde – não salva o recorte que o diretor Hugo Prata (Elis) fez da história, que chocou o país e desnudou o machismo da Justiça e da sociedade brasileira no final dos anos 1970.
Assassinada por um namorado playboy, que posava de rico, mas vivia à custas dela, Ângela Diniz, uma mulher da sociedade mineira muito além de seu tempo, foi morta muitas vezes.
Primeiro, com os quatro tiros à queima roupa de Raul Doca Street, homem ciumento, violento e inseguro, que não suportou o fim do relacionamento.
Ângela Diniz era feminista e já sabia. Separou-se do marido com quem se casara muito jovem e tivera três filhos.E enfrentava a vingança dele, num país que ainda não tinha divórcio.
Perdeu a guarda dos filhos e procurava viver no Rio de Janeiro a juventude perdida, quando conheceu o homem que a mataria. Ele deixou mulher e filho para segui-la, numa relação atormentada de paixões e culpas.
O diretor explora desnecessariamente a atração carnal, que não se sabe se era tão intensa assim na história dos dois, com cenas tórridas de sexo, nas quais o protagonista, interpretado por Gabriel Braga Nunes, parece ser uma britadeira perfurando uma mulher.
O fato é que o filme mata mais uma vez Angela Diniz, pois insiste em retratá-la como uma mulher fútil, vazia, geniosa e ninfomaníaca. Os mesmos argumentos usados pelos advogados de assassino para transformá-la em ré e criar a famigerada tese do crime por amor, em “legítima defesa da honra” do macho ofendido.
Indignadas, as mulheres mineiras, criaram o movimento Quem Ama Nao Mata, bradando por justiça e apontando o crime como fruto do machismo e violência contra a mulher. O termo femicídio foi criado no mesmo ano do assassinado de Ângela Diniz (1976), pela socióloga sul-africana Diana Russel, para diferenciar os crimes cometidos contra mulheres por questões de gênero.
Mas só começou a ser usado no Brasil a partir da lei 13.104/2015, que classifica o crime de hediondo e estabelece penas acima de 12 anos de prisão para os Doca Street da vida.
Mesmo assim, o assassinato de mulheres aumentou 3% entre 2021 e 2022 e, em 2023, até Junho, 862 casos de feminicídios já haviam sido registrados, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A expressão “legítima defesa da honra” só foi considerada inconstitucional pelo STF em agosto de 2023.
Resumindo: Hugo Prata, o diretor, perdeu uma ótima oportunidade de colocar o assassinato de Ângela Diniz no lugar que ele ocupa na história, por ter desencadeado a luta das mulheres pelo direito de não serem mortas só por que não atendem ao padrão machista de submissão.
O diretor Ignorou o movimento feminista, a brutal realidade do feminicídio no Brasil, a sociedade patriarcal repetida em todos os estratos sociais e reforçada nos espaços políticos e jurídicos.
Com esse seu Ângela, Hugo Prata conseguiu esquentar a parte quente da tragédia e esfriar ainda mais uma luta que já dura 50 anos, com saldo médio de uma mulher assassinada a cada seis horas no país.
Veja o trailer do filme:
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Conheci suas crônicas na epoca do Blog “Novos Velhos” de nossa querida e saudosa Dea e continuei lendo você na pagina do Sindicato e aqui. Gosto muito do que escreve e acompanhei o Diario do Medo.
Mas quanto a historia de Angela Diniz gostaria de sugerir aqui o livro de 1982 de Fernando Gabeira, Sinais de Vida no Planeta Minas, que li, reli, dei de presente, emprestei e perdi e comprei novamente em Sebo.
Veja a descricão no SEBO LAR LIVROS E REVISTAS:
“Quinto livro de Fernando Gabeira, Sinais de vida no planeta Minas mostra um novo aspecto do seu autor: aqui, ele se despoja de sua experiência biográfica mais imediata para mergulhar fundo nesse universo que é o conjunto de hábitos psicológicos, religiosos, morais, sociais e políticos mineiros. Os sinais de vida que, no caso, Gabeira procura detectar são emitidos por cinco grandes mulheres, hoje quase míticas: D. Beja, Chica da Silva, Olímpia, Tiburtina, e Ângela Diniz. Partindo sobretudo da vida e morte desta última, Gabeira, porém, não se limitou a “regionalizar” seu livro. Na verdade, estamos diante de uma longa meditação sobre uma acidentada trajetória humana. Ângela Diniz, filha de Minas, “planeta da ordem e da prudência”, morreu, segundo o advogado do matador, porque “recusou todos os valores da nossa civilização”. Gabeira não se fia, em meias verdades e estereótipos. O assassinato se deu conforme ocorreu com tantas outras mulheres, mineiras ou não, porque procurou abrir “caminho na selva do machismo latino”. Nesse ponto, o particular vira geral, o regional já não existe. Minas é metáfora do Brasil.”
Genoveva
Excelente, Marcinha.