Maya Santana, 50emais
Uma boa entrevista esta com a empresária e consultora de moda Glória Kalil, 75, publicada originalmente no site revistaversar.com.br, que reproduzo aqui no 50emais. Como ela é referência no Brasil quando o assunto é moda, Glória tem milhares de seguidoras nas redes sociais e suas orientações são vistas como um verdadeiro guia, não só de como se vestir de acordo com a ocasião, mas também de como se comportar. Para ela, uma pessoa chique é uma pessoa educada, que leva sempre os outros em consideração. Nessa entrevista, ela conta o que não usaria jamais e dá uma receita para quem quer encontrar sua identidade na arte de vestir-se bem: “Vá para a frente do espelho! Olhe o seu rosto, seu próprio corpo, veja quem você é e que tipo de trabalho você vai fazer para ir atrás do que te cai bem, e não do que vai bem nos outros.”
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Se tem uma palavra que define a empresária, jornalista e consultora de moda Gloria Kalil é chique. Não apenas porque ela é uma grande entendedora do assunto e autora de sete best-sellers sobre comportamento — entre eles Alô Chics, Chic Profissional e Chic Homem — mas também porque é essa a imagem que sobressai quando ela chega em qualquer ambiente. Aos 75 anos, Gloria é o tipo de mulher com uma elegância atemporal. Não apenas na forma como se veste ou se apresenta, mas no tom agradável da fala e na atenção dispensada a todos que a abordam.
Não por acaso é essa a “bandeira” que ela defende quando o assunto é etiqueta, que estaria muito mais relacionada a uma questão de civilidade e respeito ao próximo do que àquela coisa de levantar o dedinho ou saber qual talher usar primeiro. Segundo ela, a maior gafe é cuidar da roupa e do cabelo, mas esquecer de tratar bem o próximo ou de se preocupar com o entorno. Para quem acha que elegância é frescura, Gloria lembra que ela diz muito sobre quem é cada indivíduo. E reforça que ser chique não tem nada a ver com roupas caras ou futilidade, mas sim com equilibrar a aparência com o conteúdo.
Foi um pouco desses conceitos que ela dividiu comigo num papo descontraído durante uma rápida passagem por Florianópolis. Gloria falou ainda sobre o potencial de Santa Catarina no desenvolvimento de novas marcas, a preocupação com o aumento das faculdades de moda, deu dicas para quem quer se tornar uma pessoa mais elegante e ainda revelou as cinco coisas que ela não usa de jeito nenhum. Confira na entrevista:
A primeira pergunta é aquela que todos fazem: o que é ser chique?
Realmente depois de sete livros essa é a pergunta que mais me fazem, mas você sabe que não é uma resposta tão simples porque ao longo do tempo a gente vai pensando, ouvindo, avaliando novidades. Para resumir eu posso dizer que chique é uma pessoa que se apresenta bem, mas que tem um conteúdo igualmente cuidado, igualmente refinado, sofisticado, como a gente faz com a aparência. Fazemos tanto esforço com cabelo, roupa, mas temos que cuidar também da parte interna. Quem só tem aparência, mas não tem uma relação igualmente cuidada com o ambiente, com as outras pessoas, com o país e tudo mais, não vale nada. Tem que ter conteúdo. Quando você equilibra o interno com o externo aí sim você chega numa coisa chique.
O que diria pra quem acha que elegância é frescura?
Que bobagem! (risos) Elegância é fundamental em qualquer situação, em comportamento, em educação, em respeito aos outros, acho que tudo isso faz a elegância. Não é uma questão de roupa, nem de dinheiro, elegância é comportamento.
O mundo da moda sempre foi muito associado a regras rígidas. Isso mudou?
Muito. Existe uma imagem famosa do estilista Christian Dior em que ele mede a barra de uma saia e diz que ela deve estar a 40 centímetros do chão. Você precisava usar aquilo para mostrar que pertencia a uma determinada classe. Hoje as pessoas se vestem não para mostrar a sua classe, mas sim a sua individualidade. Elas expressam as suas personalidades. Se você me perguntar qual saia está na moda hoje eu vou dizer que tem micro, midi, longa… tudo está na moda. Você escolhe aquilo que te representa. Hoje vale tudo e vale ser quem você é. É chique ser autêntico, expressar a identidade com clareza. O estilo se impôs sobre a moda.
O que você não usa de jeito nenhum?
Eu fiz um vídeo sobre isso que gerou até polêmica, mas são preferências pessoais. Tem cinco coisas que eu detesto na moda. A primeira é bota branca, que pra mim deixa qualquer roupa brega, não uso de jeito nenhum. A segunda é calça saruel, que é a peça mais democrática que existe, deixa qualquer pessoa horrorosa (risos). Também tenho uma implicância pessoal com ponchos, com aqueles penduricalhos e tudo mais. Quarto item é aquele sapato meia pata, com plataforma na frente, que as baixinhas adoram e encurta a perna ainda mais. Para fechar a lista sombra azul na maquiagem, fica horrível, envelhece a pessoa.
Você falou sobre polêmica, como lida com as redes sociais?
Eu acho que informação quanto mais tem, melhor. Evidentemente que tudo tem problema, como por exemplo recentemente tivemos excessos no whatsapp no período de eleições, mas é toda uma movimentação nova que a tecnologia traz.
As redes sociais interferiram nas regras de comportamento?
Tudo evolui, elegância e comportamento também e as regras mudam. Antigamente os homens saíam de terno, gravata, as mulheres saíam de chapeu e luva, mas as coisas vão mudando, o comportamento vai mudando, mas elegância e boa educação sempre estão na moda.
Muito se fala hoje na moda com propósito. Até que ponto isso é uma preocupação real ou estratégia de marketing?
Eu acho que hoje o único propósito que a moda tem se esforçado para corresponder e que é uma coisa inevitável, é o futuro de qualquer maneira, é com relação à sustentabilidade. Acho que hoje ter um consumo mais consciente, ligado à ideia da sustentabilidade, de preservação de matérias primas, de combate ao trabalho escravo, todas essas coisas ligadas à parte social e à parte produtiva tem que ser muito bem cuidadas e acho que a moda está de olho nisso.
Santa Catarina é um pólo produtor de moda. O que você acha que falta para desenvolver ainda mais?
Eu sei o quanto a malharia é importante para o Estado e como também já começam a ter marcas importantes aqui, mas Santa Catarina tem tudo para desenvolver mais marcas, se fazer mais presente no design do Brasil. Acho que tem espaço para o Estado se manifestar mais.
Como você avalia o trabalho nas faculdades de moda para formação de novos estilistas?
Esse assunto é difícil, acho que tem muito mais faculdade do que a moda precisa, eu sempre digo isso, temos mais de 80 instituições eu acho no Brasil, não há espaço para tanto profissional de moda. É bom a gente lembrar que é um mercado concorridíssimo, difícil, não temos matéria prima no Brasil, não temos tecelagem, desde os anos 90 não se investe na parte industrial brasileira, temos hoje uma concorrência internacional enorme, mão de obra baratíssima no mundo inteiro, então é uma situação muito complicada. Eu acho que as faculdades de moda deveriam deixar isso muito claro, deveriam preparar mais para o comércio exterior, marketing, produção, muito mais do que formar novos estilistas. Eu não conheço as faculdades daqui, mas eu sei que essa é uma dificuldade das escolas de moda em geral, elas não preparam para a realidade do mercado.
Que dica você daria para quem quer se tornar uma pessoa mais elegante ou se apresentar bem numa entrevista de emprego?
Vá para a frente do espelho! Olhe o seu rosto, seu próprio corpo, veja quem você é e que tipo de trabalho você vai fazer para ir atrás do que te cai bem, e não do que vai bem nos outros. E preste atenção também ao código de vestimenta do seu ambiente de trabalho. As empresas formais têm as suas regras, mas as informais também e hoje surgiram ainda as megainformais, como startups e espaços de coworking. Ir todo arrumado num ambiente descontraído é tão inadequado quanto ir de bermuda para um fórum de advocacia.
Para encerrar, você nunca sai de casa desarrumada, tipo “bad day”?
Eu não sou muito preocupada, mas com tantos anos de trabalho eu já tenho meus “uniformes”, sei as coisas que funcionam, que combinam comigo. Ah, e um bom óculos escuros também ajuda muito.