Chegando aos 86 anos de vida – em 25 de março -, a jornalista e escritora americana Gloria Steinem tornou-se a mais importante ativista viva defensora dos direitos humanos, principalmente dos direitos das mulheres. Hoje, é o maior símbolo da luta das mulheres por igualdade. Aderiu à causa feminina na década de 1960 e, desde então, não parou mais de fazer ecoar por todo canto a sua mensagem em favor de um mundo mais igualitário, mais justo.
Há dois meses, ela foi presa em companhia de outra admirável octogenária, a atriz e também ativista Jane Fonda, 82. Amigas de longa data ( elas fundaram, em 2005, o Women’s Media Center, Centro de Mídia para Mulheres), ambas protestavam diante da Casa Branca, em Washington, contra as políticas (ou falta de políticas) do Presidente Donald Trump para o meio-ambiente. Jane Fonda contou mais tarde, numa entrevista, que um guarda reconheceu Glória e logo pediu um autógrafo. Para surpresa de todos, mesmo algemada, ela atendeu prontamente ao pedido.
Como velha admiradora dessa mulher extraordinária, tenho enorme prazer em postar aqui esta entrevista-conversa exclusiva entre Gloria e Dagmar Trindade, jornalista mineira residente nos Estados Unidos, há anos amiga da lendária ativista, com quem trabalhou como pesquisadora.
As duas saíram para almoçar em um restaurante de Nova York , na semana passada, e conversaram longamente. É parte dessa conversa que está reproduzida abaixo.
Loquaz, como sempre, Gloria falou bastante durante o almoço. Mas, praticamente, não mencionou o filme sobre a sua vida – “The Glorias“, título em inglês -, baseado na autobiografia lançada em 1917, “Minha Vida na Estrada”, (chegou aqui pela Bertrand Brasil). Com Juliane Moore num dos principais papéis, o filme teve uma participação de sucesso no recente festival de cinema de Sundance, nos Estados Unidos .
Glória também não se deteve no livro de citações que lançou há pouco – The Truth Will Set You Free, But First, It Will Piss You Off (literalmente, “A verdade o libertará, mas, antes, vai irritá-lo” – ainda sem tradução para o português. De sua vida pessoal, confessou que, apesar da boa forma física, quase não faz exercício, que curte muito o trabalho de ativista e faz tudo “sem cirurgia plástica, sem injeções, sem botox … nada.”
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Na maior parte do tempo, Gloria Steinem falou de suas convicções. “Se você somar todas as razões pelas quais as mulheres são eliminadas – infanticídio feminino, violência doméstica ou violência em massa contra as mulheres nas zonas de guerra verá o resultado: pela primeira vez, há menos mulheres no mundo do que homens, o que é muito perigoso”, alerta ela, neste resumo da conversa, que você vai gostar de ler:
Só alongamento – Não sou corredora, não pratico esportes. Eu não faço ioga, não faço pilates. Eu tento me exercitar umas duas vezes por semana, porque, senão, minhas costas doem. Faço alongamente numa sala.
Nada de plástica – Se há algum segredo? Faço o que amo. Sem cirurgia plástica, sem injeções, sem botox … nada. Na verdade, eu estou pintando meu cabelo …
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Com idade, mulheres perdem poder – As mulheres ficam mais radicais à medida que envelhecem. Os homens tendem a ficar mais conservadores, porque ganham poder. Com a idade, elas perdem poder.
Para homens e mulheres, o papel do gênero tem mais força enquanto são produtivos, porque tudo gira em torno de ter filhos, criar filhos. As mulheres, especialmente depois que chegam à idade madura, tornam-se menos valorizadas e, ao mesmo tempo, mais livres, porque ninguém mais está tentando lhes dizer o que fazer. Voltam a ser livres como eram antes dos 9 ou 10 anos de idade e podiam subir em árvores e fazer o que queriam. Então, o papel feminino cai sobre elas e, mesmo que lutem contra isso, não conseguem fugir.
Toda essa pressão, finalmente, diminui depois dos 60. Embora mais livres, as mulheres são muito mais propensas do que os homens a serem pobres quando mais velhas.
Feminismo está mais forte – Eu acho que o feminismo vem crescendo consistentemente. Foi um movimento muito influente nos anos de 1970 e 1980, mas não representava a maioria. Desde então, só cresce. E agora é maioria. Então, se você olhar as pesquisas de opinião, vai ver que a maioria das pessoas acha justo. E era isso o que as feministas diziam nos anos de 1970. Isso significa que é uma coisa boa, vitoriosa e positiva e também significa que há uma reação.
Agora, os 30% da população americana que não concordam com o movimento feminista, com os direitos civis e a questão do meio ambiente estão se sentindo ameaçados, porque sabem que são minoria. E eles apoiam Trump. eles elegeram Trump. É preciso lembrar que, porque estão em minoria agora, isso não significa que eles não vão ganhar, porque eles estão em posição de poder. Mas há uma enorme diferença em ser maioria.
Mulheres que não aderem ao feminismo – Todos nós não só vivemos no patriarcado, mas o patriarcado vive em nós. Por isso fomos criados com esses valores.
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Se a gente olhar os resultados das eleições aqui nos EUA que levaram Trump à Casa Branca, vamos ver que 96 % das mulheres negras votaram em Hillary Clinton e 51% das mulheres brancas votaram em Donald Trump. Essas eleitoras de Trump eram em grande parte casadas e não tinham formação superior. Significa que elas eram dependentes da renda de seus maridos; portanto, estavam votando nos interesses do marido.
Não estou tentando simplificar, porque há outras razões. Algumas mulheres são anti-aborto e existe uma enorme igreja católica, que não tem mais a posição que costumava ter (antes do papa Francisco), mas certamente não é feminista. Portanto, existem muitas razões diferentes, mas acho que muito disso é simples dependência. Há mulheres que acreditam que seus interesses pessoais não são seus, mas de seus maridos.
Violência contra mulheres – A violência contra as mulheres está aumentando ou sendo divulgada com mais precisão, pela primeira vez? É difícil de dizer. Se você somar todas as razões pelas quais as mulheres são eliminadas – infanticídio feminino, violência doméstica ou violência em massa contra as mulheres nas zonas de guerra verá o resultado: pela primeira vez, há menos mulheres no mundo do que homens, o que é muito perigoso.
Como diz o livro Women in Power ( Mulheres e Poder: Um Manifesto, da inglesa Mary Beard), a raça humana é um pássaro com duas asas – se uma é quebrada, a raça humana não pode voar. Portanto, é muito perigoso que haja menos mulheres no mundo do que homens.
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Este oportuno manifesto, uma verdadeira aula sobre empoderamento feminino, foi escrito por uma das mais respeitadas historiadoras contemporâneas, Mary Beard. Mulheres e Poder traça as origens da misoginia, que remonta tempos antigos, e mostra que esse ódio continua tendo voz. A autora apresenta inúmeros exemplos de como as mulheres sempre foram proibidas de ter um papel de liderança na sociedade.
Por que essa raiva? – Por causa da masculinidade, a invenção do gênero, que é relativamente nova na história da humanidade. É invenção do domínio masculino. Os homens pensam que sua identidade, dignidade, poder e até sobrevivência dependem de serem superiores às mulheres. É o que a masculinidade diz.
Então, isso faz de muitos homens – um perigo para as mulheres. E também desumaniza os homens, porque não existe masculinidade e feminilidade. Existe humanidade. É isso que torna os indivíduos únicos. O gênero é inventado. Raça é inventado. No entanto, culturalmente é muito poderoso e faz com que esses mesmos homens se viciem em domínio e sintam que são ameaçados e desafiados pela igualdade das mulheres. Então, matam as mulheres.
Líderes conservadores alimentam sentimentos nocivos – Você pode ver na história dos movimentos políticos que a liderança tem um impacto. Por exemplo, na Alemanha entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, houve um grande movimento de mulheres, o que chamaríamos de movimento feminista. havia mais mulheres no Bundstag (parlamento) do que em qualquer país do mundo.
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Havia também o que chamaríamos de um grande movimento de gays e lésbicas. Hitler e seu partido chegaram ao poder contra tudo isso. O slogan do líder nazista ao chegar ao poder era: Kinder, Küche, Kirche: Igreja, Cozinha e Crianças, para mandar de volta as mulheres à sua posição inferior.
Ao ser eleito, a primeira coisa que Hitler fez foi fechar as clínicas de planejamento familiar e declarar o aborto um crime contra o estado, com pena de morte para o médico e prisão para a mulher, porque na prisão ela poderia ser forçada a ter filhos.
Não sou historiadora, mas a leitura me mostra que o primeiro passo em toda hierarquia e toda ditadura é a subjugação das mulheres e a valorização da ideia de masculinidade. E Trump está ligado a esse tipo de poder hierárquico, usado para oprimir as mulheres.
Novo homem – Há muitos mais homens que estão criando seus filhos. Em alguns casos, de forma igual ou melhor a das mulheres que tiveram esses filhos. Existem muitos homens gays com seus parceiros que também estão criando seus filhos, o que não acontecia tanto 30, 40 anos atrás. Então, eu acho que há uma mudança na consciência da maioria de homens e mulheres, mas é claro que muitos homens ainda se sentem ameaçados por isso. Porque foram criados com essa ideia de que, para serem masculinos, precisam ser superiores, precisam dominar. Então, eles estão atacando. Mas está havendo uma reação.
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E para onde caminha o feminismo? – Depende do país em que estamos, da situação de um grupo particular de mulheres. De toda maneira, espero e acredito que estamos rumando para um mundo em que pessoas serão mais livres, em que não serão mais classificadas por sexo ou raça.
Quer saber mais sobre Gloria Steinem? Assista ao vídeo: