Maya Santana, 50emais
Eu acho que já falei isso aqui. Um dos meus maiores medos é me tornar uma velha refém das pessoas. A gente chega a uma certa idade e logo aparecem aqueles que querem ditar o que podemos e o que não podemos fazer, como se fôssemos seres que já não têm mais vontade própria. Estou perto dos 70 anos. E começo a perceber como vão nos tratando como pessoas sem capacidade de discernimento. Acontece muito com filhos cujos pais já estão mais velhos. Um exemplo é esse caso contado por Maria da Luz Miranda, em seu blog, no Globo.
Leia:
Amanhã é dia de consulta ao geriatra, pai, e ao cardiologista, depois vamos ao nutricionista, é preciso reavaliar a sua alimentação, aliás, melhor mesmo o senhor morar comigo, já é hora, a filha do Seu Geraldo avisa também aos irmãos, como se a notícia fosse animadora. Papai precisa de menos médicos e mais socialização e exercício físico, um condomínio só para idosos pode ser uma boa opção, ele terá companhia, diz a filha mais nova do senhor de 76 anos e saúde boa, segundo o filho do meio, para quem o melhor lugar para o pai é mesmo na própria casa onde a família sempre viveu. Papai pode mesmo continuar morando sozinho, as lembranças dele estão aqui. Tio, o vovô esqueceu de travar o portão na semana passada, não ouve bem e sempre esquece a hora certa dos remédios, alerta o sobrinho, que entrou na conversa, apostando que o avô é mesmo surdo.
Seu Geraldo ouve, sim, e precisa que os filhos e netos, esses sim, tenham ouvidos mais atentos. A ele, que sabe bem até onde ainda pode ir e onde quer morar. E é assim que deve ser, segundo a arquiteta e professora de gerontologia da Universidade de São Paulo (USP), Maria Luisa Bestetti, que pesquisa modos e alternativas de moradia na velhice, desde instituições de longa permanência e centros de acolhida, até residências unifamiliares ou coletivas. O idoso deve ter sempre o direito à escolha e ter suas vontades respeitadas.
No restrito ambiente familiar, quando é preciso decidir – e agir – sobre a rotina do idoso que se têm em casa, as opiniões podem ir na contramão do preceito da cumplicidade. Assim como o empenho de cada membro da família na hora de dividir tarefas. Quem leva ao médico, quem assume a dieta, quem acompanha o dia a dia, quem dá conta se dormiu bem, quem paga as contas, quem contrata cuidador. O amparo tem de envolver também afeto.
O quão intrincada pode ser a rede de cuidados que envolve um idoso é assunto de estudo da psicóloga Annie Mehes Maldonado Brito, professora na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Em sua tese de doutorado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ela concluiu, por exemplo, que tanto os homens quanto os idosos independentes tendem a ser menos solitários, assim como a redução de membros que participam da rede social do idoso quando há alguma condição de dependência, fato que pode indicar deterioração da rede social daqueles que são dependentes. Todos esses fatores estão relacionados, segundo ela, com as representações sociais que temos – e fazemos – da velhice.
Afinal, quem é é o cuidador de idosos na prática social? Há prevalência, segundo Maldonado, da informalidade. Em geral, são as mulheres da família que assumem a tarefa. Quase sempre, assume o papel quem – em famílias grandes – tem mais tempo disponível, o que não quer dizer preparo para a função, quase estabelecida de de modo inesperado e sem preparo prévio. Quase nunca estamos preparados, quase nunca conversamos sobre o assunto antes que a situação se instale e o idoso se manifeste na sala.
Há aviso prévio. Assim como os nossos pais, envelhecemos todos – ou contamos com isso – a olhos vistos, mas o assunto é deixado de lado. Não à toa, conflitos e despreparo se evidenciam e as carências tornam-se latentes. Perdemos todos. Principalmente o Seu Geraldo.