Maya Santana, 50emais
Eu acredito mesmo que os brasileiros têm dificuldade para lidar com a morte porque o próprio assunto é um tabu. Quem é que fala sobre a morte? Quem discute o fato de sermos finitos, de desaparecermos, mais dias menos dias? Sou das que acham que deveríamos conversar sem medo ou preconceito sobre o único fato certo em nossas vidas. Por que continuar fingindo e se comportando como se fôssemos eternos? Temos um prazo de vida e dele devemos fazer o melhor.
Leia a reportagem de Mariana Alvim, da BBC News Brasil, sobre como para nós brasileiros é difícil lidar com a morte:
Você concorda com essa frase? É provável que você faça parte do grupo majoritário de 68% dos entrevistados que, em uma pesquisa inédita, responderam afirmativamente à questão e expuseram a dificuldade dos brasileiros em lidar com a morte.
Encomendado pelo Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep) e realizado pelo Studio Ideias, o estudo mapeia a percepção de brasileiros sobre assuntos que vão da realização de cerimônias fúnebres à liberdade que uma pessoa deve ter ou não para decidir sobre o fim da própria vida.
O estudo será apresentado na próxima segunda-feira, na Semana InspirAÇÕES sobre Vida e Morte, em São Paulo, mas a BBC News Brasil teve acesso com exclusividade à pesquisa.
Entre os principais resultados, está a baixa presença do tema no dia-a-dia: 74% afirmam não falar sobre a morte no cotidiano. Os brasileiros associam também a morte a sentimentos difíceis, como tristeza (63%), dor (55%), saudade (55%), sofrimento (51%), medo (44%). Somente uma pequena parcela faz associação a sentimentos que não estão no campo da angústia, como aceitação (26%) e libertação (19%).
“Vimos na pesquisa que a morte não é um conceito, mas um conjunto de sentimentos. Sentimentos ruins. A gente cai na definição de angústia para a psicanálise, um conjunto de sentimentos ruins que se manifestam no corpo. Então, estamos colocando a morte muito mais no terreno da angústia do que, talvez, da aprendizagem”, aponta Gisela Adissi, estudiosa do tema e presidente do Sincep.
Essa dificuldade diante do assunto, porém, é reconhecida entre os entrevistados: em uma escala de 1 a 5 (em que 1 indica estar “nada preparado” e 5 “muito preparado”), a nota foi de 2,6 para a avaliação sobre se o brasileiro está pronto para lidar com a morte; em relação à própria morte, a média cai para 2,1.
Longe do cotidiano, perto da dor
A pesquisa, baseada em uma amostragem de mil pessoas representativa da população brasileira, mostrou que, quanto mais se envelhece, mais o tema da morte é presente no cotidiano. Este tipo de conversa está presente para 21% dos jovens entre 18 e 24 anos; para aqueles com mais de 55 anos, o percentual salta para 33%. Mas, segundo Camila Holpert, fundadora do Studio Ideias, a pouca diferença entre estas faixas mostra que o tema é um tabu ao longo da vida.
“Ainda que haja diferença entre as faixas etárias, ela é baixa. Não é que a passagem do tempo transforme a nossa relação com a morte: quando a gente não conversa sobre ela, não é o tempo que vai simplesmente nos ensinar a lidar com isso”, aponta.
Falar sobre o tema foi visto por uma parcela significativa dos entrevistados como algo depressivo (48%) e mórbido (28%). A pesquisa mostrou também que os brasileiros têm ressalvas sobre como e com quem falar sobre a morte: 55% concordaram que “é importante conversar sobre a morte, mas as pessoas geralmente não estão preparadas para ouvir”. Se para 57% o tema pertence à esfera da intimidade, a maioria apontou amigos e parentes próximos como pessoas mais procuradas para conversar sobre isso.
“Primeiro, percebe-se o ‘não falar’. E quando se fala, isso é feito no círculo mais íntimo. É como se não fosse uma questão social, como se você olhasse para o vizinho e ele não pudesse estar passando por isso também”, observa Holpert.
Adissi aponta que, sem falar sobre o tema com mais normalidade, o brasileiro acaba tendo de encará-lo nos momentos mais iminentes: no caso, por exemplo, de uma condição de saúde grave ou da própria morte de alguém na família.
A pesquisa lembra que a morte sempre foi um tema difícil para a humanidade, mas condições da modernidade favorecem o afastamento.
“É um dado mundial que historicamente nos afastamos da morte com a hospitalização. Antigamente, o doente ficava em casa, recebia visitas ali. Hoje, os hospitais são uma baita negação da morte: tem horário de visita, convívio limitado, a mediação da tecnologia. O que se faz quando morre alguém no hospital? Onde fica o necrotério? Lá na garagem, do lado da lavanderia”, aponta Adissi, também fundadora do grupo “Vamos falar sobre o luto”. Clique aqui par ler mais.