50emais
Muito bom este artigo da jornalista e mestre em administração de empresas Maria Tereza Gomes para a revista Época. É sobre como o Brasil ainda não aderiu a um sistema de moradia que tem ganhado cada vez mais adeptos em países europeus e nos Estados Unidos.
É a chamada moradia colaborativa (cohousing): a pessoa têm sua própria casa, mas divide as áreas em comum, como refeitório, lavanderia e uma ajuda à outra. Esse é o princípio desse tipo de moradia, que nasceu na Dinamarca, E se espalha pelo mundo.
Ainda há a moradia compartilhada (coliving), que é quando a pessoa divide um mesmo espaço, casa ou apartamento, com outra ou outras pessoas.
Os dois modelos, segundo Maria Tereza, ainda estão engatinhando no Brasil.
Leia:
Conforme os anos vão passando, uma coisa vai ficando clara na minha cabeça: é preciso escolher com cuidado o lugar onde morar nos últimos anos de vida. Não me refiro apenas a um ambiente sem degraus, portas mais largas e outras amenidades arquitetônicas recomendadas para nos dar segurança quando nosso corpo e reflexos vacilarem. Me refiro também ao entorno da casa. Com quem vou conviver? Em que tipo de espaço? Com quem poderei contar?
Uma saída utópica, batizada de cohousing, foi criada na Dinamarca nos anos 1970, se espalhou pela Europa e Estados Unidos, mas permanece apenas nas boas intenções no Brasil. “Cohousing é uma espécie de condomínio pensado para promover a cooperação, o sentimento de pertencer e a troca de experiências”, diz Rosângela Rachid, 51 anos, arquiteta e urbanista paulistana que está estudando o tema em seu mestrado em gerontologia na USP. “O que diferencia o cohousing é a intenção de colaborar, sem perder a privacidade da própria casa.” (O coliving, por sua vez, define pessoas morando sob o mesmo teto).
Quando usa a palavra ‘intenção’, Rosângela se refere a alguns combinados que são típicos dos cohousings: cada morador ou família tem sua casa, mas compartilham áreas e tarefas comuns: sempre há uma grande cozinha para refeições coletivas algumas vezes por semana, jardim para cuidar e manutenções a serem feitas. Criado em 1990 em Davis, na Califórnia, inspirado no modelo dinamarquês, o Muir Commons foi o primeiro em solo americano.
Cada uma das 26 casas, nas quais moram adultos e crianças, tem sua própria cozinha e jardim. No entanto, as refeições são compartilhadas várias vezes por semana na Casa Comum e as ferramentas de carpintaria e cortadores de grama são de propriedade de todos. “Nos Estados Unidos, a maioria das iniciativas é privada, mas na Europa muitos são de propriedade dos governos, alugadas aos moradores”, diz Rosângela.
A Cohousing Association (CohoUS), uma organização sem fins lucrativos criada para disseminar o conceito nos Estados Unidos, contabiliza 317 comunidades do tipo em solo americano. No site da CohoUS é possível pesquisar cada uma delas, ver anúncios de casas à venda e muito conteúdo explicando o conceito.
Originalmente, o cohousing não foi pensado como uma solução de moradia para o envelhecimento – e a maioria tem o interessante formato multigeracional -, mas a CohoUS informa que as “senior communities” estão crescendo rapidamente por lá: já são 31 unidades em vários estados americanos. “A longevidade é uma conquista, porém precisamos percorrer esse trajeto com qualidade”, diz Rosângela. “E morar com a família nem sempre é sinal de qualidade.”
Numa pesquisa na internet, encontrei várias iniciativas do tipo pelo Brasil, desde Bertioga, no litoral paulista, a Belo Horizonte, em Minas Gerais. Alguém estimou em 20 os projetos espalhados pelo país, mas não encontrei sequer um deles em funcionamento. O mais celebrado é o Vila ConViver Cohousing Sênior, um empreendimento de professores aposentados da Unicamp, de Campinas, lançado em 2016.
Segundo nos informa seu site, o projeto arquitetônico foi aprovado por “aclamação unânime na 18ª Assembleia Extraordinária da nossa Associação de Moradores” (a gestão por consenso é outra característica do modelo). Numa entrevista no ano passado, os idealizadores Bento da Costa Carvalho Jr e Neusa da Costa Carvalho, ambos com mais de 70 anos, informaram que o local terá 50 moradores nessa “nova fase da vida”. Bento e Neusa também se envolveram na criação do grupo Cohousing em Rede, que surgiu em 2020 para promover o conceito no país.
Leia também: Moradia compartilhada para acima de 60 ganha espaço no Brasil
Para Rosângela, a grande vantagem do cohousing para os idosos é combater a solidão, sentimento que já tem características de epidemia em alguns lugares do mundo, como os Estados Unidos. “Num condomínio tradicional, muitas vezes não sabemos quem é o vizinho. No cohousing, cria-se uma rede de apoio, pois os moradores estão abertos à convivência.” No artigo “Moradia cooperativa: um modo de vida mais ecológico e sustentável?”, publicado no site do World Economic Forum, a pesquisadora inglesa Kirsten Stevens-Wood diz que este tipo de coabitação é muitas vezes considerado como um experimento utópico. Mas, em seu país, já seriam mais de 300 empreendimentos, tanto rurais quanto urbanos.
Um deles é o Older Women’s Co-Housing, um projeto ao norte de Londres exclusivo para mulheres com mais de 50 anos. “Comunidades intencionais podem não ser a solução para todos os nossos problemas, mas certamente representam uma área de experimentação nas formas como compartilhamos espaço, moldamos a comunidade e fornecemos uma espiada em possíveis caminhos a seguir em tempos incertos”, escreve Kirsten. Gostei. Espero que os projetos locais saiam do papel enquanto ainda estou por aqui.
Leia também: Você já sabe onde vai morar quando o envelhecimento chegar para valer?