Maya Santana, 50emais
Esta manhã, recebi a notícia da morte de Dídimo de Paiva, o jornalista que tornou-se sinônimo de integridade moral e virou referência no jornalismo, sobretudo em Minas Gerais, onde viveu os seus 90 anos. Dídimo foi um dos meus primeiros chefes, quando comecei a trabalhar na Editoria de Internacional do jornal Estado de Minas, no início dos anos 80. Sempre tive o mais profundo respeito pelo seu talento profissional e pelo seu conceito único de ética, a ponto de considerá-lo maior do que o jornal onde trabalhávamos. Galanteador incorrigível, ele foi um chefe inesquecível pela sua generosidade e grandeza. Escolhi para homenageá-lo este texto simples e bonito escrito por um de seus três filhos, também jornalista, Esdras Paiva.
Leia:
“Meu pai morreu hoje, dia 09, às três da madrugada. O Dídimo era um homem bravo. Tinha um estopim curtíssimo. Ficou mais doce com o passar dos anos – sobretudo depois que os netos nasceram. Era um cara bonito: olhos azuis impressionantes, o rosto triangular, o nariz grande e bem feito – e uma cicatriz na testa, obra de um golpe errado de um machado na hora de cortar lenha na juventude. Mas não era nem um pouco vaidoso.
Não me lembro de tê-lo visto entrar em alguma loja para experimentar um novo terno ou camisa de grife. Não gostava de viajar, tinha medo de avião, bebia pouquíssimo, fazia barba todos os dias. Detestava tecnologia. Nunca teve celular nem perfil em rede social. Dirigia devagar – não passava de 80 por hora. Só bateu o carro uma vez na vida, e ele jurava que não foi culpa dele. Por uma razão desconhecida, só gostava de carros da Volkswagen. Era discreto e misterioso.
Não sei se acreditava em Deus ou se era ateu – mas acho que ele não sabia de cor o pai nosso. Gostava mesmo de duas coisas: ler e escrever. Era um vício, uma doença, uma missão. Uma paixão. Muitos domingos acordei ao som do tec tec da máquina de escrever – e fui dormir ouvindo lá longe aquele barulhinho repetitivo. Meu pai e sua velha máquina de escrever, uma Remington, que ele martelava diuturnamente com os dois dedos indicadores, o datilógrafo mais rápido do Brasil, como costumava gargantear.
Também era um mestre na arte de pregar ideias libertárias. Amava a democracia, a liberdade de imprensa, o respeito entre os poderes. Na minha infância, em Belo Horizonte, meados dos anos 70, nossa casa era uma espécie de quartel general das liberdades democráticas. A casa vivia cheia – eram longas conversas com gente da esquerda, da direita e do centro. Acho que foram alguns dos anos mais ativos – e felizes – da vida dele.
Meu pai começou a morrer no dia em que deixou o “Estado de Minas”. Era um vínculo poderoso demais para ter aquele desfecho. Não suportou o fim da carreira no jornal. A vida do velho repórter perdeu um pouco da graça. Redação era uma extensão dele próprio. Tinha um orgulho danado de ter sido um dos autores do código de Ética do jornalista. E nesse campo era imbatível. Se gabava de não aceitar viagens, presentes, convites. Achava que se aceitasse qualquer mimo perderia independência.
Amava a política, mas nunca aceitou entrar para a política – embora convites não tenham faltado ao longo dos seus 90 anos de vida. Conseguiu viver fiel aos seus princípios. Vai direto pro céu. Valeu por tudo. Pai. Com amor e admiração, seu filho, também jornalista.”
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