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Nelson Motta escreve um texto delicado, publicado por O Globo, sobre as dores, reais e imaginárias, físicas e psicológicas, que a vida nos impõe, principalmente a nós que já passamos dos 60 anos. No cado dele, 79 anos, faltando poucos meses (em outubro) para chegar aos 80.
“Verdade cruel. Quando estou feliz, me divertindo, na praia, viajando, namorando, beijando, abraçando, nem lembro das dores,” confessa ele, admitindo que, “em compensação, quando minha cabeça e meu coração estão confusos, as dores aumentam, se fazem presentes, como se materializassem meu estado de espírito.”
O jornalista e escritor também relembra o período em que ficou paralisado e as duas cirurgias a que teve de ser submetido por causa de um problema sério na medula.
Leia o texto completo:
Para aliviar o clima, vamos falar um pouco de dor. Dores físicas e morais, emocionais e profissionais, crônicas e psicológicas. Imagino que o tema possa interessar a muita gente porque todo mundo sente dor. Mas, falando das físicas, são os mais velhos que sofrem mais. Aos 60 anos, Millôr Fernandes dizia que estava na “idade do condor”. Com dor na lombar, com dor no joelho…
A maturidade oferece a opção da sabedoria de aprender na dor ou ser derrotado por ela, seja no corpo ou nos sentimentos. O sofrimento pode ensinar ou destruir uma pessoa. O ressentimento, sentir de novo dores já vividas e passadas, é um dos mais inúteis e nocivos sentimentos.
Guardar memórias dolorosas e revivê-las em sua tristeza, ou em sua raiva, ou em sua injustiça, é uma das maiores armas de meu maior inimigo, o que melhor me conhece, o que sabe meus pontos vulneráveis: eu mesmo. Assim como você mesmo.
Nós somos vários em um só, e nem todos gostam de todos, alguns nos empurram para frente e outros nos derrubam. E estamos em constante transformação, não dá para se dizer quem se é, mas quem se está sendo. Tudo está em movimento.
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Voltando às dores, no caso as neurológicas, há sete anos tive um problema grave na medula, que estava me deixando paraplégico. Duas cirurgias resolveram o problema, mas depois de 20 dias imóvel no hospital voltei para casa sequelado, com as pernas totalmente flácidas.
Tive que aprender a andar de novo, em um andador, e depois de meses de fisioterapia diária e exercícios voltei a caminhar. Sempre sentindo dores, na lombar, nas pernas, nos pés, a pior das sequelas — mas aprendi a conviver com ela. Como disse o doutor Paulinho Niemeyer, que me salvou com as cirurgias, quando fui ao consultório e me queixei das dores: “Só dói quando você lembra, né ?”
Verdade cruel. Quando estou feliz, me divertindo, na praia, viajando, namorando, beijando, abraçando, nem lembro das dores. Em compensação, quando minha cabeça e meu coração estão confusos, as dores aumentam, se fazem presentes, como se materializassem meu estado de espírito. Acho que muitos de nós às vezes sentimos isso, somatizamos, paciência, o jeito é esperar passar. Tudo passa, tudo sempre passará.
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Mas como lutar contra a dor, além de analgésicos? Quanto mais fortes, mais perigosos, pelos riscos de dependência. Gosto muito de acupuntura, quando feita por profissionais especializados em dor. Não cura a doença, mas é eficiente para tirar a dor, que é o que interessa para quem está sofrendo.
Também venho tomando óleo de CBD e microdoses diárias de cogumelos Juba de Leão. Acho que tem ajudado a dar força e energia para combater as dores — não para acabar com elas, mas mantê-las sob controle.
O exercício, a musculação, é paradoxal: para diminuir a dor tem que doer mais. Mas sem ele, as dores aumentarão… Não há opção.
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