Márcia Lage, 50emais
Existe a precocidade e a poscocidade: Palavra que acabei de inventar para definir o júbilo com que a midia – inclusive a especializada – noticia a continuação natural e espontânea da vida após os 50 anos. As manchetes têm o mesmo tom vitorioso das publicações pedagógicas sobre crianças adiantadas: aos cinco anos toca piano; aos três anos aprende Inglês; virtuose do balé aos dois anos. E por aí vai. Agora é conosco: aos 76 anos faz exposição em Nova Yorque; aos 77 anos vai às ruas pedir o impeachment de Bolsonaro; aos 60 joga tudo para o alto e muda completamente de vida.
Bah! Não há nada de novo sob o sol. Sempre houve crianças um pouco mais espertinhas que outras; e sempre houve velhos que não vestiram o pijama depois da aposentadoria e se abobalharam diante da TV (embora esses também existam).
A velhice ainda nem estava na moda e sei de gente que se casou de novo depois dos 70; conheço uma moça de 40, filha de um pai de 80. Entrevistei Oscar Niemeyer aos 102 anos e ele estava estudando astronomia e filosofia – além de projetar as últimas maravilhas que enfeitam Brasília. Babava, usava fraudas e tinha uma mulher/enfermeira de 40 anos. Trepava com ela? Não interessa. Interessa que, apesar de suas dificuldades motoras, estava lúcido, continuava criativo e amava amar e ser amado.
A manchete, se não fosse preconceituosa, não mencionaria a idade do Niemeyer – como não mencionaria a idade do Chico Buarque – porque ambos estavam fazendo o que sempre fizeram. Da precocidade à poscocidade: O arquiteto, formas e vanguardices. O músico, política e oposição. O que a idade deles tem a ver com a atitude? Coisa que a imprensa inventou nos anos oitenta (mega constrangedora para nós, repórteres): Quantos anos você tem? Perguntávamos, roxos de vergonha. Que importância tem esta informação? Ouvíamos em resposta. Mas os jornais insistiam em saber. Estavam criando o preconceito. Dividindo a raça humana por idades.
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No meu tempo (até que enfim já posso dizer esta frase) era tudo junto e misturado: Criança, adolescente, jovem adulto, velho, casado, solteiro, viúvo, todos vivendo seus períodos sem a claquete policial no pescoço, com a data de nascimento escancarada. Vida é isso. Uns gostam demais. Outros, nem tanto!
Não é justo discriminar os que desanimam com manchetes exultantes sobre os que nunca desistem. No meio pode haver suicidas e gente de auto-estima muito baixa. Nem todos envelhecem com segurança. Há os que não têm família e os que perderam tudo que tinham. Inclusive, a família. Há os que não entenderam nada e continuam fazendo burradas. Cada um é cada um. E vive de acordo com as suas oportunidades e circunstâncias. Nada a ver com idade.
Então, queridos companheiros, vamos parar com essas manchetes bobas? Acabei de aprender a surfar! E não é porque eu tenho 66 anos! É porque sou mineira e vivi sem saber do mar. Agora sei. Agora quis experimentar. Há algo de muito inovador nisso? Não! Apenas mais um desafio que eu escolhi encarar. Ao contrário de outros que me são impostos diariamente, e que me obrigam a atualizar velhos aplicativos. Não podemos ter vergonha de ser idosos. O mundo exige que continuemos a aprender.
Então, parem de nos tratar como crianças precoces. Só faltam apertar nossas bochechas e dizerem, à la Hebe Camargo: Que gracinha! Como, aliás, aconteceu com a mãe de uma amiga, que aos 93 anos, montou na garupa de uma motociclista. Porque sempre desejou andar de moto. E, quando surgiu a oportunidade, agarrou, sem consultar a certidão de nascimento. Não é gracinha. É consciência plena da vida, das possibilidades infinitas de brincar e experimentar.
Nosso prazo de validade só expira com a morte. Até lá, cada dia é uma novidade. Quem é vivo, desfruta! Sem precisar que lhe apontem as rugas.
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