
Márcia Lage
50emais
Gosto muito de assistir àqueles Reels do Instagram feitos com desenhos bem simples e vozes dublando histórias curtas, hilárias. Os tais memes. Lembram as antigas tirinhas dos jornais impressos, onde cartunistas resumiam com traços rápidos e uma frase de efeito todas as tragédias do dia.
Minha geração amava a Graúna, uma passarinha feminista que Henfil criou, junto com outros personagens que davam o que pensar: Bode Orelana, um cabrito intelectual que comia jornal e sofria de queda de ânimo com as notícias que lia. Fradim, um frade escatológico que desprezava os dogmas religiosos, e Ubaldo – o Paranóico, um jovem com medo da perseguição policial.
Era época da ditadura. As charges do Henfil falaram o que quiseram na cara da censura, ironicamente driblada com a aparente inocência dos personagens criados. Na Argentina, Quino fez algo similar com a sua Mafalda, uma menina de seis anos, questionadora e libertária, que pregava uma revolução de costumes numa América Latina amordaçada.
Os reels dos jovens cartunistas nas redes sociais não são tão profundos. Refletem a sociedade hedonista, egocêntrica, individualista e meio sem-noção desses anos de muita liberdade e pouco idealismo.
De toda maneira, passam os questionamentos deles. E algum sinal de que os maiores de 60 estamos sendo dispensados do trabalho de dar prosseguimento à espécie. O mundo gira sem nós a partir de agora.
Rafaella Tuma, que bomba no Instagram com desenhos sobre o cotidiano dos jovens, tem um que aborda o fim das nossas preferências gastronômicas e tradicionais receitas: “Vocês já pararam para pensar que sobremesa tem idade? Já viram um Enzo pedir creme de papaya com licor de cassis? Já viram um velho pedir sorvete de unicórnio? Eles pedem passas ao rum, coco queimado, milho verde… Se você come um figo em conserva você, automaticamente, tem mais de 60 anos de vida…”
Portanto, fica no saudosismo dos que comem doce de figo e sorvete de milho verde a arte fantástica de nossos cartunistas. Muitos ainda estão na ativa, como Laerte, Aroeira, Chico Caruso, Alpino. Não faço ideia de como sobrevivem nesse mundo de absoluta falta de atenção ao modo instigante de pensar que eles simbolizam.
Todos são do tempo da onça, para usar uma expressão que se extinguiu com a revista O Cruzeiro e seu cartum histórico: O Amigo da Onça, de Péricles de Andrade. Alpino é o único que ainda não chegou aos 60 anos. Coincidentemente, o único entre os citados a ter um perfil no Instagram.
Apesar de ainda jovem, sua última postagem reflete igualmente sobre o fim dessas artes que nos constituiram culturalmente. No desenho, muito mais sofisticado que os traços infantis dos memes virtuais, uma criança pequena aponta o celular para um velho. Este, segura um disco de vinil. O garoto diz: “Vô, continue segurando e conta de novo o que vocês faziam com isso aí…”